A necessidade de religião

Além de toda crença: O evangelho desconhecido de Tomé é um livro muito belo.

Porque nele, Elaine Pagels, pesquisadora e historiadora da religião, entremeia a brilhante exposição de suas investigações e a sua própria vivência dentro da igreja, enquanto passava por um daqueles períodos em que certas vicissitudes da vida batem à nossa porta.

Profissionalmente, Elaine tem de trabalhar com a mente, com análise, ciência. Pessoalmente, ela, como todo ser humano, é um ser multidimensional, isto é, de dimensões física, energética, emocional, mental, astral e espiritual.

Há algo intrínseco a cada ser humano que nos remete e nos remeterá sempre à espiritualidade, ao religioso, ao sagrado. Esse algo é o nosso próprio ser, que está além de nossa mente, do nosso corpo, da nossa pessoa. Para um naturalista ou materialista, poderíamos defini-lo como vida – o que anima nossos corpos e toda a Existência.

Einstein certa vez disse que havia duas formas de ver a vida: uma é acreditar que não existe milagre. A outra é acreditar que tudo é um milagre.

Uma é acreditar que tudo é material; a outra é que tudo é espiritual.

Tudo é espiritual.

A religião é irracional pois tem suas origens ou razão de ser além da mente; envolve a intuição de nossa transcendentalidade, o mistério da consciência, o mistério da vida. Enquanto houver humanidade, a religião (espiritualidade) irá existir, como também provavelmente a Religião, as religiões organizadas.

As feridas feitas pelo amigo

Ao apresentar o Caminho de Jesus e sua diferença para o Cristianismo, inevitavelmente tivemos que falar sobre coisas que muitos cristãos não gostariam de ler. Mas verdade e amor andam juntos, são dois aspectos de uma mesma essência. Nem sempre a palavra amorosa será aquela que concorda ou agrada; a correção de uma mãe por vezes é muito mais amorosa do que o consentimento. E, no fim, só a verdade liberta.

A necessidade de religião
© Luis Quintero em Pexels

Com tudo isso queremos dizer que temos um profundo respeito por sua espiritualidade, por sua religião. Ao apontar aspectos problemáticos do Cristianismo, não estamos dizendo que a sua experiência espiritual seja falsa; não é, é real, existencial. Aquele momento que você entregou todo seu ser em oração, louvor ou adoração a Deus ou a Jesus, dissolvendo mesmo seu ego a algo superior; a conexão ou comunhão com Deus ou o divino, as experiências emocionais, extáticas, transcendentais; tudo isso é real e faz parte de nosso caminho, crescimento, autoconhecimento.

Temos ideia do quanto o questionamento de pontos de crença pode tirar o chão de alguém, pois todos nos identificamos com o conteúdo de nossas mentes, e determinadas crenças religiosas estão mesmo conosco quase desde que nascemos. Respeite seu ritmo, mas não tenha medo de se aprofundar. Fique tranquila, o que é real sempre permanece, não pode ser destruído. Ao transitório e ao ilusório, você não precisa se aferrar; não receie deixá-los partir.

Neste ponto, é mesmo importante você se observar para perceber até que ponto determinados questionamentos estão trazendo um conflito ou sofrimento mental além do razoável. Se for o caso, não hesite em pedir ajuda. E neste domínio, ainda, infelizmente, o padre e o pastor não são os mais indicados, já que tendem a lhe trazer de volta para as suas próprias convicções religiosas, que são justamente o foco de seus novos questionamentos; seria como varrê-los para debaixo do tapete. Já uma boa psicóloga ou psicólogo possui os recursos necessários para lhe auxiliar a encontrar entendimento, claridade e sentido nesses novos aprendizados, trazendo autoconhecimento e crescimento.

Toda crença está na mente. E você não é a sua mente. Na verdade, é apenas questão de tempo para que tudo o que está meramente na mente caia.

Quando descobri que não acreditava mais em tudo que achava que os cristãos deveriam acreditar, perguntei a mim mesma: por que não deixar o cristianismo — e a religião — para trás, como tantos outros fizeram? No entanto, às vezes eu encontrava, em igrejas e em outros lugares – na presença de um venerável monge budista, no canto do cantor em um bar mitzvah e em caminhadas nas montanhas – algo atraente, poderoso e até aterrorizante que eu não podia ignorar, e eu vim ver que, além da fé, o cristianismo envolve prática — e caminhos de transformação.

Elaine Pagels, em Além de toda crença, p. 100.1

Um dos desafios que o buscador espiritual ainda enraizado no Cristianismo tem de enfrentar é como manter o culto frente à verdade que aparece quando se investiga e descobre que muitas das bases da fé cristã são míticas, ilusórias ou mesmo mentirosas.

Isso que aconteceu com a Elaine, irá acontecer com cada vez mais pessoas. Mas a mensagem do púlpito não pode mais estar tão distante do conhecimento do ouvinte. Muito do que os buscadores de Jesus descobrem, líderes religiosos também aprenderam e sabem, mas por diversos motivos isso não chega na igreja.

Esse desafio não é somente individual, é social – hão de surgir, como já estão surgindo, espaços de expressão religiosa ainda ligados a Jesus mas mais ou menos descolados do Cristianismo clássico. A leitura que estamos iniciando aqui, o Caminho de Jesus, é uma das formas dessa manifestação, mas não é um dogma, muito menos está fechado; cada cristão, na verdade, tem seu próprio Caminho de Jesus, que se transforma ao longo do tempo e poderá, dependendo do ponto abordado, concordar e discordar com este.

Em uma manhã fria de domingo

Há dez anos, bem distante do autoconhecimento que tenho hoje, passei sete dias me recuperando de uma cirurgia complicada, longe de minha cidade natal, com dreno instalado no tórax, sozinho em um quarto de hospital. Se já não havia grandes riscos médicos, fazia-se presente aquela sensação de impotência, vulnerabilidade ou incerteza que sentimos quando nos encontramos limitados ou quando nossa saúde está ameaçada. E ninguém sabe disso melhor do que aqueles que estão em uma cama de hospital.

A televisão, que hoje ignoro, era a única companhia de então. Naquela semana, meus momentos preferidos do dia eram quando começavam os cultos ao vivo na RIT TV, desde a sede da Igreja Internacional da Graça de Deus, em São Paulo. Me lembrava de quando, ainda cristão, chegava à reunião de abertura de domingo, às 6 horas de uma manhã fria de inverno na capital paulista – durante o trajeto e na hora em que lá chegava, ainda fazia escuro. E aquela mistura de domingo, frescor da manhã e pré-despertar da cidade tornava a experiência quase transcendental.

Internado, os cultos na RIT me traziam apaziguamento. Até hoje considero a voz do pastor Jaime de Amorim Campos muito reconfortante. A pregação da Igreja da Graça é muitas vezes simples e comparativamente mais breve e direta que a das igrejas tradicionais. Mas, sobretudo na experiência presencial, o ponto de atração não é a mensagem. É o ambiente sagrado, espiritual, a psicosfera coletiva ou egrégora, as intenções e emanações mentais e energéticas de todos os presentes.

Ainda há aquela reunião ou pré-culto aos domingos às 6h (durante a semana muitas vezes começa as 7h), e além da TV você pode acompanhá-lo pelos aplicativos ou web VRadio (Play Store / App Store) e Radiosnet (Play Store / App Store).

Três anos após a internação, quando, mais maduro, já não era cristão em absoluto, visitei uma igreja próxima de casa, Batista. Pra quê? Em busca do contato com o sagrado, sobretudo de momentos de adoração. A reunião foi bonita, embora no final tenha tido aquele momento embaraçoso em que o ministro, sabendo que você é visitante, tenta te fazer aceitar Jesus naquele momento. Mas a visita foi propícia, também, porque na semana seguinte haveria um interessante curso teológico sobre o Antigo Testamento na igreja, no qual me inscrevi.

Pouco depois, realizei que já não havia nada para mim na Igreja Cristã. E fiquei um bom tempo distante, até que o projeto do Caminho de Jesus me fez voltar a ter contato com o meio cristão, mergulhando em suas diversas facetas.

Tudo que a antena captar meu coração captura

A televisão – e hoje muitas vezes o celular – relega-nos da condição de viventes ativos de nossas vidas para a de espectadores passivos da vida alheia ou de uma ficção. Muitas pessoas vivem uma vida de dependência emocional da tevê, como era a minha aquela semana, por anos a fio, seja do exercício de fé ou da palavra de esperança da programação cristã, ou através da ficção de novelas, séries, reality shows, esportes ou mesmo noticiários (e a vida a passar, a vida sempre a passar).

É claro que o ser humano precisa de momentos de distração, entretenimento ou mesmo puro relaxamento, e que a televisão muitas vezes nos traz mesmo, além do religioso, o instrutivo, o lúdico, o artístico: o que diferencia essa certa dependência do “consumo saudável” é o tempo de tela, que está diretamente relacionado com o tempo que se vive além da tela.

Se há programações cristãs mais “sadias”, hoje vemos na TV aberta muito mais a decadência do Cristianismo brasileiro, apoiado em dois pilares: a prosperidade financeira e a cura, que encontram demanda sobretudo nas camadas mais pobres ou sofridas da população.

Vemos pregações vazias, que passam longe de trazer para o povo a profundidade espiritual dos ensinamentos de Jesus, mantendo-o na condição de dependência intelectual, emocional e espiritual, em um Cristianismo transformado em mendicância, um pedir e agradecer eterno por saúde e prosperidade. Não que não sejam importantes, mas uma religião que supostamente tem por base Jesus não pode ser só isso.

Ainda, mais do que tudo isso, o ponto principal com relação à TV é que ela cria mais uma dimensão de ilusão para nós mesmos, nos afastando do que realmente somos. Se a vida neste mundo pode ser considerada uma ilusão ou sonho para nosso ser mais íntimo, a televisão é uma ficção dentro da ficção.

Tinha-se perdido, e achou-se

A mensagem de Jesus é que não somos nenhuns miseráveis. Ele contou certa vez uma bela parábola sobre um rapaz que, após ter antecipado e esbanjado sua herança, caiu na miséria a ponto de passar necessidades. Até que, caindo em si, lembrou-se que seu pai era rico e mesmo seus trabalhadores diários tinham uma alimentação digna, e decidiu pedir para ser aceito como um deles. Ao regressar, para além de suas expectativas, o pai restitui-lhe os direitos com toda glória.

Para mim, o ponto principal da parábola é aquele em que ele torna-se a si e relembra sua origem. Somos todos o filho pródigo. Herdeiros de uma riqueza espiritual imensurável e que não pode ser perdida, estamos prostrados diante do mundo, iludidos com nosso papel nele, ou em frente a uma TV, a uma rede social, desejando e mendigando bolotas de porcos, dormidos para nossa realidade espiritual.

A Existência é nossa por direito, mas nos consideramos indignos. Vamos para o templo, e o que ouvimos? Um “eu me humilho diante de Ti”, um “não porque eu mereça…” ou um “rogai por nós pecadores que volta a nos atar à mente, ao ego, e, com efeito hipnótico, reatribui ou reforça em nós os papeis de miseráveis, mendigos, dependentes espirituais ou vítimas.

E ai de quem disser que você não é um pecador! Você está tão identificada ou identificado com o papel que esqueceu quem você é. Ao voltarmos para casa, que é nosso próprio ser, nos reencontramos, somos revividos, prontos para sermos reentronados no comando ou percepção da dimensão de nossa própria existência.

Há religião além do Cristianismo

Como estamos escrevendo para um público cristão, nesta página nos limitamos a refletir sobre possíveis alternativas de transformação do culto cristão.

Mas é claro que há outras diversas formas religiosas em que cada pessoa, conforme sua busca, preferências e até mesmo etapa da vida, pode dar melhor expressão à sua espiritualidade ou encontrar respostas a seus questionamentos existenciais.

No Brasil, são adeptos do Espiritismo Kardecista cerca de 2% (Wikipédia, 2010) a 3% (Datafolha, 2020) da população, ao passo que, segundo as mesmas fontes, aproximadamente 2% seguem a Umbanda, o candomblé e outras religiões afro-brasileiras, e um total de 2 a 3% se identificam com religiões diversas, como o Budismo e diversas formas de espiritualismo.

Há também diversos caminhos espirituais para além da visão teísta das religiões de matriz judaica e mesmo livres de sincretismo com o Cristianismo, que nem sempre são considerados religiões, não obstante por sua natureza o serem por excelência, como o Yoga, o Vedanta e o Tao, além dos conhecimentos e práticas nativos ou xamânicos que têm ganhado força no Brasil, impulsionados pela popularização da Ayahuasca.

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