Bhagavad Gita – A canção do Senhor

Krishna e Arjuna
Krishna e Arjuna, por Mahavir Prasad Mishra (© CC)

➡️ Bhagavan (Bhagavān): Senhor, ser autorrealizado, Ser Supremo, Deus. Literalmente “afortunado”, “abençoado”.
➡️ Gita (Gīta, Gītā): canção. (gên.: neutro)

O Bhagavad Gita (Bhagavadgītā), ou somente Gita (lê-se “Guíta”), é uma parte do Livro de Bhishma, o sexto dos 18 livros do épico hindu Mahabharata, escrito em sânscrito. O Gita, escrito por volta do ano 200 aC, possui 700 versos e é considerado um livro sagrado nas Religiões Hindus.

O épico Mahabharata narra os eventos ocorridos na família dos descendentes de Kuru, os quais estima-se terem se passado séculos ou milênios atrás, que culminou na Guerra de Kurukshetra [Campo dos Kurus], que é o cenário ou pano de fundo do Gita. Ainda que os referidos acontecimentos possam ter tido lugar no campo físico, o autor do épico os descreve provavelmente de maneira romanceada, apresentando diversos intercâmbios entre homens e deuses. A epopeia é também rica em reflexões e ensinamentos acerca da virtude, da integridade, da moral, do dharma, do destino etc.

Introdução ao Bhagavad Gita

Esta introdução não foca no ambiente contextual do Gita, já que este é apresentado na maioria das traduções, como a do site MokshaDharma, que também deveria ser lida.

Para se captar a essência do Bhagavad Gita, algumas das coisas mais importantes sobre o texto e a cultura indiana são:

Arjuna é o ser humano, o buscador espiritual

Arjuna, o terceiro filho legal de Kunti, representa, no Gita, o buscador espiritual, no meio ou no princípio de sua busca, representada no primeiro capítulo, “O yoga do desalento (desânimo) de Arjuna”, e no início do segundo. Aqui, o buscador, ainda identificado com o ego, a personalidade, depara-se com a dureza da batalha no mundo físico. Percebe que seu sucesso acarretará na destruição de seres queridos e, desolado com a dura realidade que se apresenta ante seus olhos, desiste de lutar, convencido que será melhor que seus inimigos o matem do que o contrário.

Arjuna é o ser humano (alma individual) em busca de sua verdadeira natureza (Alma Cósmica Una). Assim, Arjuna não é qualquer pessoa, é o buscador espiritual. (ver mais em Arjuna)

Arjuna é você.

No Gita, por ser o único interlocutor de Krishna, Arjuna representa assim a totalidade do buscador, com todas as suas qualidades individuais necessárias para a autorrealização. Mas, na verdade, ao expandir ao contexto do Mahabharata, essas qualidades são desmembradas em todos os 5 irmãos pândavas e seus principais aliados. Então, Arjuna passa a simbolizar o autodomínio, a autodeterminação espiritual ou o aspecto ou impulso da individualidade que está disposto a encontrar a verdade, seu próprio Ser – ele é o guerreiro mais poderoso do campo de batalha.

Krishna é o Self (a Alma)

Então, a partir do verso 2.10, Krishna responde a Arjuna, apresentando a ele o conhecimento da verdade (jnana).

Krishna é o bhagavan, o Senhor de Si ou ser autorrealizado, ou seja, aquele que se conhece e percebe que é o próprio Atman.

Atman significa Alma, mas não necessariamente a alma individual que poderia ser traduzida por corpo astral constituído de mente e energia. O conceito de Atman é mais amplo, abrange o Absoluto. Atman é a nossa verdadeira natureza, nossa essência, nosso centro, mas não estamos conscientes dele. Basicamente, Atman está, em nós, envolto por cinco corpos ou camadas de ignorância: físico, energético, mental ou sensório, intelectual (com ego), e causal. Assim, temos o centro de gravidade da nossa existência ordinária fora de nosso centro, em camadas superficiais, e é por isso que não conhecemos a nós mesmos.

Eu sou o Atman (Self, Si Mesmo), ó Gudakesha* (Arjuna), estabelecido no coração de todos os seres. Eu sou seu princípio (a origem), o meio (a existência) e o fim dos seres.

(…) E sou também aquele que é a semente de todos os seres, ó Arjuna! Não há qualquer ser animado ou inanimado que possa existir sem Mim.

Bhagavad Gita 10.20;39

* Gudakesha: [aquele cujo] cabelo [é amarrado na forma de uma] bola. Ou seja, aquele que usa um coque. (Feuerstein p. 85 [nota 17]).

Como você pode ver, você já conhece a alma do Gita, graças ao spoiler do Raul Seixas.

Novamente, Krishna é Atman, Cristo é Atman, Buda é Atman, Maharshi é Atman. Não existe diferença alguma entre eles, a não ser pelo revestimento externo. Eles podem dizer: Eu sou o tudo e o nada, Eu e o Pai somos um, Eu sou Deus…

Os tolos me ignoram quando assumo a forma humana; eles não conhecem o meu estado superior como o grande Senhor de todos os seres.

Bhagavad Gita 9.11

Um ser autorrealizado pode falar a partir da alma. Ele já deixou o ego para trás. As pessoas precisam continuar atribuindo um nome e um ego para eles, mas eles são a própria existência.

Krishna é a Alma, Consciência (Suprema, cósmica), é Tudo, o que os hindus chamam também de brahman.

Krishna é você. (só que “você” ainda não se autorrealizou) O estado de Krishna, de Cristo (etc.) é o seu destino. Você é Atman, esses seres se reconheceram, e você também o fará.

No começo da jornada em busca de nós mesmos, somos o desolado Arjuna do primeiro capítulo. Des-envolvemos o Arjuna e quando realizamos nosso Ser, somos Krishna.

Arjuna disse: Você [Krishna] é o Brahman supremo, a morada suprema, o santificado supremo, o eterno Purusha (Espírito) divino, o Deus primordial, não nascido [sempre-existente], onipresente.

Todos os rishis (sábios) dizem isso de Você, o rishi divino Narada, e também, Asita Devala e Vyasa, e [agora] Tu mesmo me diz isso.

Bhagavad Gita 10.12-13

Yoga

Yoga não é somente Hatha Yoga ou Raja Yoga. Yoga é a junção, união, identificação da alma com o Espírito (o Absoluto), é a realização da alma encarnada individual (jiva) como Alma (Cósmica, Una, Atman) e os métodos pelos quais se atinge essa realização.

Um exemplo: se um hindu está tentando se iluminar passando meses apoiado sobre somente uma perna e um pé, um outro pode se aproximar e pedir para que ele seja seu mestre e lhe ensine este seu yoga.

Assim, os capítulos do Gita são intitulados com esses processos de realização, por exemplo Karma Yoga (capítulo 3).

“Aquele que está livre de ódio a todas as criaturas, é amigável e benevolente para com todos, é desprovido de possessividade e da consciência do “eu”, é equânime no sofrimento e na alegria, tudo perdoa e está sempre contente, que pratica yoga com regularidade, buscando o tempo todo conhecer o Eu e unir-se ao Espírito por meio do yoga, que é dotado de firme determinação, com a mente e o discernimento entregues a Mim, esse é Meu devoto e Me é querido.”

Bhagavad Gita Capítulo 12 (Bhakti Yoga) versos 13 e 14. Tradução de Paramahansa Yogananda.

Essas são os conceitos básicos para início da leitura do Bhagavad Gita. Em seguida, o próprio texto iniciará seus ensinamentos e os aprofundará. Convém sempre meditar a respeito de cada capítulo e pesquisar a respeito de trechos que não foram bem compreendidos.

Traduções

Traduções mais literais

Duas das traduções mais fidedignas ao texto disponíveis em português são a versão para a nossa língua da tradução inglesa de Georg Feuerstein e a tradução do site MokshaDharma, disponível para leitura gratuita na web.

O Bhagavad-Gita: Uma Nova Tradução

O Bhagavad-Gita: Uma Nova Tradução (Georg Feuerstein)

Tradução do professor de yoga e pesquisador indólogo Georg Feuerstein. Esta tradução conta com uma ótima introdução que ajuda a situar o leitor no contexto da obra (ou seja, o meio do épico Mahabharata), descreve os personagens principais, explana todos epítetos de Krishna e Arjuna, bem como temas relacionados ao pensamento indiano. Possui a versão em sânscrito no alfabeto devanagari, sânscrito transliterado e a tradução aplicada a cada palavra, o que ajuda o leitor a compreender pontos intrincados no texto usando, por exemplo, ferramentas como a Wisdomlib. É sempre útil consultar outras boas versões como as apresentadas abaixo, sendo esta versão a mais recomendada caso tenha que optar por apenas uma.

Site MokshaDharma » Bhagavad Gita (Web / gratuito)

O responsável por esta tradução elucida sua interpretação de cada palavra isoladamente, a exemplo de Feuerstein. Esta tradução equipara-se a dele e o fato de ser gratuita torna-a recomendada para ser utilizada ou como ponto de leitura principal ou como fonte paralela de consulta. Um trabalho enriquecedor, como todos os do site MokshaDharma.

Hugo Labate a partir da tradução de K. M. Ganguli (pdf em espanhol)

🇪🇸 Para ler ou ouvir em espanhol, conheça o (Método) Espanhol com auxílio de livros e audiolivros.

Bhaktivedanta Vedabase » Bhagavad Gita Como Ele É (Web / gratuito)

Outra fonte de consulta, em português, que possui comentários para todos os versos d’A canção do Senhor.

Tradução esclarecedora

A Yoga do Bhagavad Gita: Introdução à ciência indiana universal da Realização Divina (Paramahansa Yogananda)

A Yoga do Bhagavad Gita

A tradução do Bhagavad Gita de Paramahansa Yogananda encontra-se no livro A Yoga do Bhagavad Gita.

O sentido mais profundo de certas passagens provavelmente é melhor captado e ensinado por um iogue indiano nativo, conhecedor do sânscrito e das escrituras hindus como Yogananda. Sua introdução não baseia-se no sentido técnico ou literal do texto, é uma introdução aos próprios conceitos energéticos, astrais e espirituais do Yoga.

Esta tradução possui interpretações e insights valiosos sobre as analogias do texto. Por isso, é muito enriquecedora em, alguns trechos mais obscuros, fundamental para o entendimento.

Disponível nas:

O Bhagavad Gita: Deus fala com Arjuna – Volumes 1 e 2 (Paramahansa Yogananda)

Deus Fala Com Arjuna - Vol. 1 - Paramahansa Yogananda

O livro acima possui o texto integral do Bhagavad Gita traduzido. Porém, se você gostar e quiser ir além nos conceitos trazidos por Paramahansa Yogananda, ele escreveu comentários mais amplos nesta obra em dois volumes.

A exemplo de outros textos considerados inspirados, recebidos e ou sagrados da humanidade, o Gita tem algumas camadas de entendimento e diferentes formas de compreensão.

Neste trabalho de Yogananda, na seção referente ao primeiro capítulo do Gita, em que são apresentados os protagonistas da batalha, destaca-se uma interpretação esotérica (oculta) na qual são explicados os significados esotéricos das personagens do Mahabharata. Ele apresenta os guerreiros pândavas (filhos de Pandu) como os aspectos ou guerreiros da Alma (Atman) e os “kauravas” (filhos sanguíneos do Rei Dhritarashtra) como os representantes do reino material, ou seja, os sentidos, as viciações e os frutos da percepção ilusória do mundo manifestado.

Um exemplo de interpretação de uma passagem bastante obscura encontra-se no capítulo 8.24-28, que trata dos períodos mais propícios para se abandonar este corpo (desencarnar), como sendo, nos períodos do fogo, da luz, do dia, da quinzena brilhante da lua e dos seis meses do curso norte do sol, em anteposição aos períodos de fumaça, da noite, da quinzena escura da lua e dos seis meses do curso sul do sol.

Yogananda interpreta que esses aspectos dos períodos estão nos corpos do ser humano e que, ao praticar determinados yogas, o praticante mantém a energia kundalini e todos os chakras em aspecto ascendente, voltados para cima e para a luz espiritual mais alta no sahasrara chakra, ao passo que aquele que estiver voltado para o mundo tem suas pétalas dos chakras voltadas para baixo, para a escuridão (ignorância).

Esta coleção está disponível nas:

Deus Fala Com Arjuna - Vol. 2 - Paramahansa Yogananda

Talvez uma boa dica seja comprar A Yoga do Bhagavad Gita e, se gostar da abordagem e possuir recursos, adquirir a obra comentada em 2 volumes, e presentear alguém com o primeiro livro.

Trechos com tradução própria

Veja aqui alguns trechos com tradução própria da Canção do Senhor.

Outras Traduções

Bhagavad Gita: A Mensagem do Mestre

Bhagavad Gita: A Mensagem do Mestre (tradução Francisco Valdomiro Lorenz)

Lorenz (1872-1957) foi um ser humano dotado de inúmeras e fantásticas qualidades (veja aqui reportagem do G1 sobre ele). Por sua tradução do Gita, um grande feito considerando a pouca informação que tínhamos na época no Ocidente a respeito da Índia e do sânscrito, percebe-se que ele compreendeu a essência do texto. Alguns conceitos são ocidentalizados ou incrementados com um toque de espiritualidade ocidental para facilitar a compreensão dos leitores de sua época deste hemisfério. De maneira que esta edição pode ser bastante assimilável para quem não possui muito conhecimento da cultura indiana. Porém, o ônus é que essa adaptação fez com que diversas passagens perdessem um pouco de sua originalidade, aquele algo de sua própria natureza hindu. Esta edição (livro) é mais simples, econômica, possui pequena introdução e diversas notas de rodapé elucidativas.

Músicas sobre o Gita

Gita – música de Raul Seixas que capta o espírito do Bhagavad Gita – ver em nossa playlist
Este álbum possui uma visão de cada capítulo e ao final outras leituras e inspirações do Gita ou de parte dele.

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