Ayahuasca – Medicina da floresta

Ayahuasca, o cipó da alma, é uma bebida psicodélica e enteógena produzida a partir da combinação e decocção da videira Banisteriopsis caapi (jagube) com outra planta que possua determinado princípio ativo, sendo a Psychotria viridis (chacrona) a mais utilizada no preparo no Brasil.

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Ayahuasca - Integração da Alma com o Universo

A Ayahuasca, “o chá”, age amplificando a atividade cerebral e as percepções sensoriais. Expande a mente e ao mesmo tempo realiza algo além dela, dilui seus limites com o universo exterior e, assim, relativiza o ego.

O chá, tomado com a devida instrução, não causa nenhum tipo de dependência ou crises de abstinência, sendo este um fato comprovado por décadas de experimentações de pesquisadores científicos, bem como pela larga experiência de uso entre os nativos.

Vamos agora observar como e porque essa bebida é tratada com tanta sacralidade, como os nativos e a maioria dos usuários o faz.

Índice

O uso ameríndio da Ayahuasca

As combinações de plantas que resultaram no chá conhecido como Ayahuasca foram concebidas há séculos, e possivelmente milênios, pelos nativos das Américas. Sabemos que os nativos são profundos conhecedores de seu meio ambiente, o que envolve entre outras coisas domínio das propriedades medicinais e terapêuticas das plantas e de materiais animais. Suas tentativas, testes e observações empíricos configuram assim uma ciência, que não se aparta da alma como às vezes a nossa o faz, mas que igualmente abarca mais conhecimento com o uso e autouso das plantas e suas derivadas formulações e misturas. Adicione-se a esse conhecimento o fato de que, conforme afirmam os ameríndios, as próprias plantas (entre outros seres) se comunicam com eles, revelando a forma ideal de seu uso.

Wikipédia: Lista dos povos indígenas que utilizam ayahuasca

Objetivos das experiências com o chá

Entre os principais objetivos e experiências dos ameríndios para ingestão do chá estão:

  • perceber, ver (ter a visão, miração) e viver o lado oculto da experiência sensorial cotidiana, lado o qual para muitos ameríndios é o aspecto verdadeiro do mundo e que sustenta este mundo sensorial ordinário, como ele realmente é e é percebido por seres evoluídos e poderosos, que não possuem mais desejos e vivem em êxtase contínuo. As formas físicas manifestas são assim percebidas como ilusórias, exatamente como nos conceitos indianos de maya e devas. Assim, é a maneira de, por algumas horas, viver como esses deuses, sem desejos e apartado das limitações de tempo e espaço,
    • e aprofundar-se no estudo xamânico de conhecimento e visão, guiado por um xamã ou por um indivíduo com grau espiritual avançado;
    • quando estamos nessa outra realidade, a experiência cotidiana parece irreal, da mesma forma que encaramos, muitas vezes, essa outra realidade como ilusória quando estamos no estado sensorial ordinário de consciência.
[O índio siona (no território colombiano)] Ricardo Yaiguaje (1900-1985), (…) filho de Leonides Yaguaje, [este] talvez o último grande mestre xamã no Putumayo, frequentemente repetiu que geralmente três noites, expressadas como “três casas”, são necessárias para ver os desenhos de um domínio, conhecer o seu povo e aprender seus cânticos [e tocar as flautas]. Cada noite, o novato viaja um pouco mais longe, esperando que com a terceira noite [1 noite a cada 2 ou 3 dias]* ele consiga ver tudo** e dominar os cânticos dos seres que vivem nesses lugares. [tornando-se assim um xamã e obtendo dau, poder xamânico dos Siona, como aconteceu com o irmão de Ricardo, Arcenio; Ricardo falhou devido à interferência por meio de feitiçaria de outros xamãs invejosos do poder de seu pai Leonides, os quais enviaram entidades maléficas a sua experiência. Seu irmão Arcenio interveio e socorreu-o dessas, purificando-o com água.]

** “Continunando a tomar yagé, você se tornará uma pessoa que pode ver tudo”, eles [o povo do yagé ou espíritos] disseram.

Esther Jean Landgon em O uso Ritual da Ayahuasca, p. 72-74; 85-92

* Durante essa jornada iniciática. O médico naturopata francês Jacques Mabit chegou a comungar o chá 1 vez por semana por 12 anos entre xamãs e mestres amazônicos. Geralmente, o chá é consumido a cada 14 dias para a maior parte das religiões ayahuasqueiras: período talvez bem ajustado para a mente ocidental, porém se a sua mente se acelera demais após o uso, um espaçamento até maior pode ser recomendado.

  • ter contatos com outros espíritos*, como os de homens, animais e de fenômenos e formações naturais, que estão em outras dimensões ou planos da existência,
    • e assim obter deles conhecimento e proteção;
    • a ingestão do chá seria a maneira mais segura e eficaz para entrar no mundo dos espíritos;
    • os xamãs, pajés e ou curandeiros são os que conseguem adquirir maior conhecimento, habilidade e poder para adentrar, interagir e negociar nesses outros reinos;
  • a ascensão** pela árvore genealógica do indivíduo, podendo mesmo levá-lo até as origens mais remotas e ancestrais da vida a do espírito, fazendo-o perceber mesmo a cosmogênese universal, os mistérios e motivos da criação;
  • experimentação e compreensão de que o espírito é distinto do corpo, o que também facilitaria e prepararia a pessoa para a própria desencarnação, uma vez que mostra o que a pessoa poderia encontrar se ela ocorresse hoje, e até mesmo passos futuros dentro dessa possibilidade. Por isso a experiência promovida pelo chá é chamada às vezes de pequena morte;
  • limpeza do corpo e da mente, que podem se manifestar através de vômitos e menos comumente de evacuação. Entre os ameríndios, é também comum esse fenômeno de vomitar ou vomitar muito(!);
  • curar-se de algum mal ou doença físicos;
  • obter visões, revelações, previsões e favores para sustentação do povo, como a caça, a colheita e a autodefesa,
    • através, também, do próprio contato com os espíritos da natureza (dos animais, das plantas, da floresta, do sol, etc.)

* Note que se por um lado somente os deuses podem apreender a realidade última, por outro no caminho até ela está esse mundo espiritual, ainda muito mental, onde coabitam seres dos mais ignorantes aos mais elevados, fazendo-se importante um preparo prévio (ver abaixo Abstinências) antes da experiência a fim de colocar-se mais próximo às faixas elevadas.
** Ao menos para os Barasana, o cipó da Ayahuasca possibilita também a descida genealógica, efluindo assim efeitos para os descendentes de quem as toma. Além de cipó, esse povo visualiza o chá como uma sucuri – que tem um significado cosmogônico primordial para eles – dentro do corpo. (Pedro Luz, O uso ritual da Ayahuasca, p. 55-56)

Os ícaros (cantos)

O chá Ayahuasca, bem como outras combinações e similares da caapi e da chacrona, é utilizado na tradição e ritualística xamânica – aonde o xamã prepara o chá e comanda a cerimônia na qual o grupo irá tomar -, mas não exclusivamente nessa forma ritualística. Em diversas tribos, como as dos Kaxinawá, o cantador é quem prepara, serve e conduz a cerimônia e os participantes, através do canto, pelo labirinto das visões e posteriormente faz com que retornem à percepção ordinária. O canto expressa a conversa do cantador e ou do xamã com os seres do outro lado e determina o conteúdo e desenrolar das visões, do início ao final da experiência, podendo ter diferentes tons de voz e ritmos para cada etapa. Tons mais agudos alcançam e chamam os espíritos, que podem ser intuídos ou mesmo visualizados corporalmente. Um cantador mal-intencionado poderia também punir os participantes com visões atormentadoras e sem proveito.

Podem ocorrer versos de língua e significado desconhecidos, dos ouvintes e mesmo do cantador, que podem aumentar a experiência intuitiva ou de camadas não discernidoras da mente. Um aspecto cíclico-repetitivo faz com que o participante não se atenha mais no significado das palavras, e entre ou flua na energia do canto. Assim, o próprio canto é um potencializador do efeito do enteógeno.

Dependendo da cultura, os cantos são mais ou menos padronizados e conhecidos previamente pelos participantes, o que não lhes tira o caráter de improvisação na ordem dos versos, tom da voz, etc. O cantador é, de fato, por determinado período de tempo, um líder espiritual, que pode conduzir as experiências de todos segundo as tradições culturais do povo, reforçando sua coletividade e união, logo também a sua segurança.

O ícaro do cantador sobe ao céu e, dependendo do grau de conexão do participante com o canto, pode descer com a cura para esse participante. (Barbara Keifenheim, O uso ritual da Ayahuasca, p. 122)

Em outros grupos, é também aquele que cozinha os ingredientes, mesmo não sendo cantador, quem lidera a reunião.

Ao contrário do que acontece em diversos grupos indígenas amazônicos e em outros grupos Pano, entre os Kaxinawá a utilização de alucinógenos não está associada forçosamente à práxis xamânica. Para a sua interação com os espíritos, os xamãs Kaxinawá utilizam preferencialmente o tabaco (dume)*. Somente em casos excepcionais, quando seus métodos não alcançam a cura almejada, é que eles bebem a droga nixi pae [como chamam a Banisteriopsis caapi e a bebida resultante de seu preparo] em sessões especiais para dialogar com os espíritos.

*A fumaça do tabaco tem o poder de embriagar os espíritos e assim auxiliar o xamã a liberar um espírito humano preso por eles.

Barbara Keifenheim, em O uso ritual da Ayahuasca

Através dos ícaros (cantos) e também por meio de invocações quando do preparo do chá e até mesmo na escolha das plantas que o constituirão, o xamã ou o cantador, pelas cenas simbolizadas nos cantos, conduz os participantes do ritual até o mundo espiritual.

Lá o chá pode revelar o próprio espírito dele ou ainda espíritos chamados às vezes como “o povo do yagé” (os que estão do outro lado), que recebem os que estão adentrando em seus domínios. Dependendo do contexto, pode revelar também ao indivíduo merecedor algum espírito amigo ou mesmo protetor ou guardião.

Nessas cerimônias cantadas os bebedores do chá, mesmo mergulhados em suas visões, nunca deviam perder o contato com os ícaros, ao qual poderiam agarrar-se em face a algum apuro e teria o poder de trazer-lhes de volta a salvo da experiência.

São fatores gerais de influência nas visões: o ambiente, o(s) condutor(es) das sessões ou rituais – seja por seu nível evolutivo ou por suas crenças e psicologia -, as músicas, a alimentação diária do participante em sua vida e também nas vésperas, sua disposição e atitude mental perante à vida e ao chá.

🎵 Conheça em nossas playlists no Youtube a playlist Ayahuasca e a Músicas Nativas e Xamânicas.

Usos não indígenas da Ayahuasca

Esta página dedicou-se até aqui quase exclusivamente ao uso indígena da Ayahuasca como forma de contextualizar historicamente os efeitos do chá, pois a maioria, se não todos, também foram observados entre os bebedores não indígenas, desde os primeiros deles (os seringueiros amazônicos que tiveram contato com os nativos) até os atuais.

Por exemplo, a ocorrência do voo xamânico ou viagem astral, presságios, curas, integração com a natureza e o cosmos, etc.

Abstinências antes do uso do chá

São amplamente adotadas entre os antigos e atuais ameríndios e adeptos das religiões ayahuasqueiras brasileiras, certas abstinências de comportamento e alimentícias antes do uso da Ayahuasca.

Essas restrições não são simplesmente para estabelecer uma disciplina moral ou religiosa, mas foram moldadas a partir da experiência milenar indígena no uso do chá, empiricamente ajustando, por tentativa e erro, as melhores práticas para tornar a experiência com o chá segura e potencializada.

  • De sexo e álcool: por 3 dias antes e no dia seguinte ao uso;
  • De drogas: por 14 dias antes {e 14 dias após o uso} – comunique também toda e qualquer droga e medicamento que esteja usando para o dirigente do grupo que irá participar – ver também seção Impeditivos para o uso da Ayahuasca;
    • Não consuma cafeína sobretudo no dia da ingestão do chá (e idealmente na véspera também), mesmo em formas mais brandas que o café como o chá verde, chá branco, etc. Caso tome cafeína na véspera, faça-o em pequena quantidade e ao menos com 20 horas de espaçamento à hora da ingestão do chá.
  • Restrições alimentareso jejum antes do uso pode intensificar seu efeito alucinógeno, reduzir as náuseas e conduzir a uma experiência e aprendizado mais profundos. Diversos grupos indígenas e pacientes de curandeiros amazônicos almoçam (provavelmente pelo meio dia) e não comem nada até a cerimônia às 20h ou 21h. Um jejum parecido parece de bom tom mas, se por qualquer motivo a pessoa não puder, recomenda-se que não se faça refeições pesadas e respeite ao menos 3 horas de jejum antes da ingestão do chá.
    • Abster-se de alimentar-se de carne por 3 dias antes da cerimônia (prática também ameríndia);
    • Não ingerir noz moscada por 2 semanas antes e após a ingestão do chá; (fonte: Precauções no site ecycle traduzindo Precautions no site healthline)
    • Pesquisadores autoexperimentadores que não respeitaram quaisquer jejuns ou regras alimentares relatam experiências e aprendizados mais superficiais. (Jacques Mabit, O uso ritual da Ayahuasca, p. 175)

“Alimentos que contêm o aminoácido “tiramina” [Consultar: Alimentos ricos em Tiramina (tuasaude.com)] não combinam bem com a ayahuasca. Sob circunstâncias normais, isso não é um problema, mas quando temos um inibidor da MAO ativo em nosso sistema, a tiramina pode ser absorvida no corpo. Isso causa liberação de adrenalina, o que pode causar dores de cabeça, sudorese, aumento da frequência cardíaca e pressão arterial. Sabe-se que esses efeitos são leves e nunca causaram danos graves, mas é aconselhável limitar esses alimentos, especialmente quando você sofre de pressão alta ou problemas cardíacos.”

acsauhaya.org – Diet before Ayahuasca / Aqui versão traduzida automaticamente
  • Água: beba bastante água nos dias que antecedem a ingestão, porém interrompa seu uso cerca de 1h ou 1h30min antes do chá.
    • (Durante a cerimônia, não se recomendamos o consumo de água.)
  • (em algumas culturas) evitar ter contato externo com sangue, especialmente no dia da cerimônia.
  • Com acompanhamento médico, é necessária a interrupção da ingestão de certos medicamentos, sobretudo antidepressivos, cujos princípios ativos interferem nos mesmos processos que o chá e, além de incompatíveis, são perigosos quando usados conjuntamente. Ver também a seção Impeditivos para o uso da Ayahuasca.

Autopreparo para o uso do chá

Como no yoga, a conduta é a base. Querer se aprofundar nas experiências de autoconhecimento sem essa base pode ser tornar, ao menos para o lado espiritual, perigoso. De fato, não somos poderosos na realidade última – ainda que alguns o sejam neste mundo efêmero – exatamente por causa da nossa ignorância. E através do exemplo neste mundo daqueles que desenvolveram o intelecto muito mais do que o coração e ou daqueles que obtiveram poder sem amor, podemos projetar um período de ruína espiritual semelhante ao deles se quisermos fazer uso de um chá poderoso e não quisermos erradicar de nosso coração a violência, a desonestidade, a mentira etc.

Ou seja, o indivíduo que permanece em erros espirituais graves mesmo após conhecer seu erro profundamente, com o uso do chá, mesmo que se torne de alguma forma poderoso, sempre contará com adversários, dentro e fora de si, igualmente poderosos para combatê-los, além de possivelmente autofurtar-se da proteção que seria gerada por sua frequência vibratória – frequência essa que volta contra ele mesmo ao atrair entidades do mesmo nível. Nesse caso hipotético, se a pessoa tiver sorte, sua doença espiritual escoará para o corpo (ver seção Curas) a ponto de subtrair-lhe as forças e levá-lo a uma atitude de reparação antes do próximo encontro consigo mesmo e com as forças internas e externas que estava contrariando.

Se você nunca tomou o chá e não consegue apartar de seu viver a violência e ou a mentira, o roubo etc., você precisa ter ao menos a intenção de mudar, a intenção de se tornar uma pessoa melhor e assim se submeter e se entregar a essa experiência terapêutica.

Se você já tomou o chá, provavelmente já estará sintonizado(a) ou no mínimo sintonizando-se com o que os iogues definiram como o segundo passo para a iluminação, a virtude. O caminho nativo americano é de fato muito parecido com o caminho nativo indiano, para se comparar a uma só tradição oriental, pois a realidade é universal, e não propriedade de algum grupo privilegiado.

Sobretudo na véspera e no dia da sessão busque ambientes tranquilos e agradáveis; evite envolver-se em discussões e excessos de qualquer natureza. Procure estar mais consigo mesmo(a) e refletir ou meditar sobre sua vida e objetivos para a experiência com o chá.

Algumas* experiências comuns com a Ayahuasca

*Mas não todas. Encare este texto como uma dentre infinitas possibilidades de coisas que o chá pode mostrar para você. Tenha em mente que notou-se que todos que descrevem textualmente as experiências sentem que algo (o mais importante) se perdeu na transposição: nesse quesito, os artistas – como os músicos, os poetas, pintores (como Pablo Amaringo e Alex Grey) etc. – são os que melhor conseguem exprimir algo da vivência que é por si só indizível, inefável.

O chá pode começar ter algum efeito rapidamente após a ingestão, mas geralmente eles se tornam muito perceptíveis após cerca de 60 a 90 minutos (seja de uma primeira ou segunda dose) – há relatos, porém, de efeitos claros a partir de 20 minutos -, e duram geralmente de 3 a 4 horas. Em geral o indivíduo permanece com a consciência desperta por todo esse tempo (não “apaga”).

Borracheira: do espanhol borrachera (embriaguez), é o transe provocado pelo chá, cujas qualidade e quantidade (entre outros fatores) podem torná-lo mais ou menos intenso e profuso de ricas visões.

Enjoos fazem-se sentir quando a borracheira se aproxima, e a limpeza do corpo pelo vômito, sudorese e ou evacuação costuma preceder e proporcionar uma intensificação das visões. A função dessas limpezas é exatamente purgar, deixar o organismo e logo a mente mais puros para que a pessoa possa adentrar nos domínios mais sutis da percepção.

Com experiência e adequação da atitude e dieta na vida cotidiana, bem como com a observação mais precisa dos jejuns e restrições prévios, essas purgações podem se atenuar.

Ao fazer efeito, o chá atua como se tocasse ou chacoalhasse a mente e assim começa a desarticular todas as percepções ordinárias que ela coleta e integra dos (outros) cinco sentidos, atenuando seus aspectos sensório e analítico para a experiência. Por isso, quanto mais apego às formas sensoriais e menos a pessoa acredita em algo mais além do mundo objetivo, mais difícil tende a ser a experiência pois, apegada à mente, ela vai querer lutar contra os outros tipos de percepções que estão para se apresentar, e isso pode lhe ser um tormento. Essa pessoa tomou uma atitude paradoxal e contraditória: ingeriu uma substância que reduz a atividade de sua mente e seu ego e ao mesmo tempo quer lutar com eles para “não perder o controle mental” da situação. Uma atitude cética ou de dúvida é bem-vinda, mas uma atitude revestida da presunção, seja da ciência moderna ou mesmo de alguma religião, pode instalar um conflito no indivíduo quando novos conceitos ou até realidades se apresentarem.

A libertação de nossa alma prisioneira somente será possível se tivermos coragem de descer aos nossos próprios infernos. Traduzindo: ninguém se torna um homem de verdade se não tiver a coragem de enfrentar, e superar, seu próprio inferno, que nada mais é do que a coragem de enfrentar o autoconhecimento.

Por Viktor D. Salis, em A Arte de Viver, faixa 13, min. 5.

Nas visões do chá, a pessoa pode ter a sensação ou se ver em uma situação simbólica (pois aqui não é um presságio) de morte ou aniquilamento – da sua mente, do seu ego, do que ela considerava o eu – que, quanto menor abertura para a realidade espiritual ela tiver, maior será o seu desespero e sofrimento.

Assim, uma pessoa convictamente “materialista”, a saber, para a qual o fenômeno mente e a percepção do espírito não são mais do que emanações da autopercepção cerebral, seria melhor preparada se permitisse mesmo o artifício da dúvida, tão necessário ao buscador e ao cientista, mas às vezes escondido sob a poeira dos dogmas, espirituais e científicos.

Então, para o contato com esta medicina ancestral, despoje-se de seus pré-julgamentos e conhecimentos morais, espirituais, científicos e culturais – quanto mais conseguir isso, mais poderá aprender (sobretudo sobre si mesmo), uma vez que não irá forçar um encaixotamento da experiência em seus conhecimentos prévios, ao menos durante a sua ocorrência; após, caberá a você permitir que a mente analítica retome o comando de seu ser, tratando de aplicar seus antigos conceitos – religiosos e científicos – e negações dessa realidade há pouco vivenciada, OU devolver a autoridade da sua vida ao seu Ser, utilizando sim a mente, mas como uma exímia funcionária ou ferramenta, e não mais como dona de seu ser.

As capacidades tanto intuitivas como da mente analítica devem aumentar após o uso do chá.

Os Kaxinawá referem-se à mente eu seus cânticos como uma “pobre consciência sofredora”. (Barbara Keifenheim, O uso ritual da Ayahuasca, p. 116) A nossa identificação com a mente é o que nos torna sofredores e ignorantes da nossa real e exuberante natureza.

Portanto, quanto mais relaxada e aberta ao novo e ao desconhecido e a pessoa estiver, melhor.

A experiência psicodélica da Ayahuasca começa, muitas vezes com alterações auditivas e visuais, caso o indivíduo mantenha-se de olhos abertos (o que, para uma experiência mais profunda, não recomendamos), onde os contornos dos objetos (animados e inanimados) pode ganhar vivacidade e a própria constituição deles aparentar diluir-se. Inicia-se a dissolução da separatividade dos objetos externos e do próprio ser com relação a eles e ao todo. A percepção espacial muda, assim como a do tempo: os movimentos do corpo podem ser percebidos como mais rápidos e ou seguidos por “rasto” (da imagem de sua própria posição anterior), assim como podem ser percebidos como mais devagar ou de fato assim se tornar nesta fase da experiência.

Assim, aspectos sensoriais – como sonoros, olfativos e visionários – espirituais podem misturar-se aos de nossa experiência sensorial comum. Essa mistura pode ser uma conjugação mais ou menos harmoniosa, a depender dos cantadores ou das músicas. Da mesma forma, a experiência de percepções sensoriais cruzadas ou sinestésicas pode se dar, como por ex., ver o canto entoado subindo ao céu.

Mandala

Sobretudo no escuro e ou com os olhos fechados – a escuridão e o silêncio são obrigatórios em certas sessões ayahuasqueiras com curandeiros -, inicia-se visão de desenhos geométricos, como formas (circulares, retangulares, etc.) e linhas se entrecruzando e ou espaçando-se, desenhos ornamentais elaborados, mandalas, etc. geralmente nunca antes vistos pelo sujeito, que podem envolver todas as imagens do mundo manifesto. Essas formas podem ser mais ou menos abstratas, assim como as formas mais pictóricas ou figurativas que podem começar a aparecer a seguir (mas não necessariamente aparecem), em formas antropomórficas, animais, angelicais ou demoníacas, místicas ou ainda uma mistura desses. Nessa etapa, começam a surgir imagens do inconsciente, ligados ao passado ancestral próprio ou cultural e coletivo, que pode estender-se até os primórdios do surgimento do universo. Facilita-se assim também o contato com aspectos mais ou menos sombrios da própria personalidade ou mente, bem como o contato com entidades espirituais exteriores.

A duração e conteúdo de tais visões varia entre indivíduos e entre uma sessão e outra do mesmo indivíduo, sendo imprevisível mesmo para os mais experientes. “Cada sessão é uma aventura.” O aprendizado também geralmente não é recebido de uma maneira linear ou lógica entre as sessões, porém pode haver igualmente alguma conexão. Outras percepções sensoriais podem somar-se à visão: auditivas, olfativas, táteis além da “intuitiva”, quando se percebe presenças de entidades ou energias próximas, mas não pode-se vê-las. (Jacques Mabit, O uso ritual da Ayahuasca, p. 159-161; 164)

Ayahuasca - Visão

Em seguida, as visões podem somar-se à autoidentificação com outros seres ou fenômenos da natureza, percebendo-se como eles. A pessoa também pode ver seu corpo de fora e empreender voos xamânicos ou viagens astrais, movimentando-se no céu estrelado ou em partes desconhecidas do mundo, ou ainda em outro tempo; ver outros seres, como antepassados e parentes, como também a seres ignorantes ou maus; acontecimentos importantes, como a desencarnação de alguém próximo ao indivíduo ou a alguém do grupo do chá; seus inimigos; seu futuro, filhos, perigos; sua própria desencarnação. Todas essas visões podem se alterar com os sons, daí a importância que os ameríndios dão a não perder contato com o som. (Barbara Keifenheim, O uso ritual da Ayahuasca, p. 111-114).

Michael J. Harner foi o primeiro autor a compilar as experiências e Temas comuns nas experiências de yagé dos índios sul-americanos, em seu artigo Commom themes in South American Indian Yage experiences:

1. a sensação de separação da alma/corpo e a viagem da primeira na forma de voo mágico;
2. a visão de cobras e felinos e, em menor escala, de outros animais predadores;
3. um senso de contato com o sobrenatural, com a visão de deidades e/ou demônios;
4. a visão de pessoas e lugares distantes interpretada como visão de uma realidade distante, isto é, clarividência;
5. a sensação de ver a realização de atos antissociais praticados recentemente, ou seja, divinação.

Michael J. Harner, traduzido e citado por Pedro Luz em O uso ritual da Ayahuasca, p. 59

Pedro Luz cita outras experiências comuns encontradas por Harner: (O uso ritual da Ayahuasca, p. 59)

  • alucinações auditivas;
  • visão de formas geométricas;
  • auras;
  • visão da própria morte;
  • combates contra demônios ou criaturas zoomorfas;
  • visão de corpos brilhantes que se interpenetram mudando constantemente de formato;
  • cenas que se dissolvem umas nas outras.

Pedro Luz e Jacques Mabit adicionam a essa lista “o status de absoluta verdade atribuído às visões causadas pelo chá” (O uso ritual da Ayahuasca, p. 63; 162). Muitos dos que o experimentam atestam o mesmo, pelo menos após a fase mais confusa da experiência. Assim, são capacitados a perceber eventuais desvios em seu comportamento que antes não percebiam ou admitiam, e também experimentam como reais (de uma forma ou de outra) as impressões colhidas em sua vivência. Assim, intuitivamente muitas vezes realizam o que sempre esteve em seu interior.

Ao menos na experiência dos não-indígenas, acrescentamos também aqui, sobretudo no princípio da jornada com o chá – quando e possivelmente por ainda estarmos identificados com a nossa mente e apegados ao ego, o eu que elas nos concede -, a vivência de um estado mental confuso, uma minipsicose e loucura, que é reflexo, entre outras coisas, exatamente do fato da mente querer impor seu mundo manifesto de formas, sentidos e separatividade, frente a uma realidade que se impõe soberana. Calma, você não está louco(a), passar por essa experiência pode ser um bom sinal pois indica que você está quebrando as barreiras da mente e do corpo e se autoconhecendo. Essa ocorrência se dá, como dissemos, especialmente, mas não exclusivamente, nos primeiros contatos do indivíduo com o chá e pode até não se repetir jamais tão dramaticamente se ele compreendeu e absorveu sua lição em sua vida. No dia do ritual, ela ocorre principalmente também nos primeiros momentos, quando as substâncias do chá atingem o cérebro e inicia-se a experiência. Depois suaviza-se e transforma-se paulatinamente em visões mais agradáveis e reflexões.

Te deixa, assim, mais límpido física e mentalmente para a fase seguinte: que trata-se de sentir os eflúvios da alma, o que os Kaxinawá chamam de “visão pura” (Barbara Keifenheim, O uso ritual da Ayahuasca, p. 117), percebendo assim soluções, insights, realizações, arte, etc. que têm o poder de mudar sua vida ou contribuir para a mudança que já está ocorrendo nela. Nessa fase, idealmente mantenha a mente o máximo possível calada e não permita que ela interfira, querendo catalogar, sistematizar e interpretar as informações, deixe esse processo para depois, pois se você se apegar novamente à mente analítica agora poderá perder as próximas impressões do seu Ser. Igualmente, se tiver em grupo, evite abrir os olhos, conversar, se distrair, para aproveitar ao máximo essa fase, que pode durar até umas duas horas – a partir de certo ponto desse período é comum ir sentindo a inspiração gradativamente diminuir. Quando esse estágio da paz interior chegar, se possível recolha-se em seu canto em silêncio; para alguns a música cantada agora pode atrapalhar as reflexões, enquanto outros preferem usá-las como inspiração adicional. A música instrumental quase sempre ajuda: nessa categoria o tom, a batida, a melodia delas podem direcionar a inspiração.

O paradoxo da autoentrega (do eu/ego)

Todos querem o saber/poder, todos querem ser como os imortais, mas, por outro lado, todos temem a morte e a loucura. Ter um corpo (com seus desejos) e uma identidade (com sua memória) estabelece limites indesejáveis, porém não deixa de constituir-se em uma garantia (de vida).

Eliane Tânia Freitas (1996, p. 160), citada por Pedro Luz em O uso ritual da Ayahuasca, p. 62

Potencializadores da experiência

Para muitos ameríndios e curandeiros amazônicos, a administração do tabaco – na forma como essa é feita em suas culturas – concede mais poder e força, importantes para se lidar com espíritos, quando combinado com o chá, além de aumentar a borracheira e as visões.

Além do tabaco, outros medicinas ancestrais usadas também em rituais urbanos são o rapé (por inalação) e a sananga (pingada no olho).

Suavizadores

Embora o ideal seja o participante passar por todas as visões que podem ocorrer na fase mais aguda da experiência, Jacques Mabit (O uso ritual da Ayahuasca, p. 155) observou entre os curandeiros amazônicos peruanos a aplicação eventual em seus pacientes da inalação do aroma do limão cortado e da cânfora para diminuir suas visões, mas o procedimento normal é não usar esse tipo de interferência. Muitos outros perfumes inalados tendem a aumentar a borracheira.

Se a experiência evoluir para algo parecido a um surto, não tome água na intenção de suavizá-lo, pois isso potencialmente pode ajudar a levar para a corrente sanguínea mais Ayahuasca que esteja ainda no trato digestivo. Nesse caso, vá para debaixo de um chuveiro ou de água corrente. Fique sentado(a) lá (permita-se vomitar o quanto o corpo pedir) que a água irá levar e suavizar sua agitação.

Terapia

A Ayahuasca te ajuda, por imagens explícitas ou simbólicas e por percepções intuitivas, a perceber com muito mais abrangência e sabedoria aspectos de seu ser, vida, relações etc. Se houverem, te fará encarar seus pesos na consciência e conflitos, e lhe ajudará a tratá-los.

De fato, ela realiza uma purgação catártica física e emocional – efeito relacionado à Banisteriopsis caapi -, para um renascimento e um ingresso mais puro em seus domínios. Por isso a experiência é chamada às vezes de pequena morte, com o seu próprio purgatório particular à disposição!

Os antigos gregos asseveravam que sem o mergulho no mais profundo ser (ou o inconsciente profundo) o homem não pode alcançar os graus mais altos da evolução.

Como vimos na seção sobre os principais objetivos e experiências dos ameríndios, a Ayahuasca é uma professora. Dada a profundidade de suas matérias, é assim também uma terapeuta ou, talvez, ela lhe capacite a analisar-se por si e a si mesmo – mesmo que você, no caso do desavisado, não queira! Então essa medicina é para quem têm a coragem de se encarar de frente e profundamente: seus medos, traumas, defeitos e todas as demais questões pessoais. Consequentemente, faz parte da preparação para uma comunhão com o chá um viver mais correto, em pensamentos, palavras e ações.

O usuário pode experienciar a sensação de ser colocado na situação de espectador externo de seus próprios atos, de tal modo que é chamado a um exame de consciência. Essa experiência pode ser bastante súbita e violenta, sendo chamada pelos adeptos religiosos de “apanhar”, “peia”, “cacete”, “chicote”, dentre outros termos.

Wikipédia » Ayahuasca

A rigor, a resolução dos problemas (conflitos, traumas, etc.) que afligiam a pessoa surge a partir do enfraquecimento temporário da mente analítica provocado pela Ayahuasca, que permite assim ao paciente perceber as emanações da Mestra Ayahuasca e de seu próprio Ser (intuições), capazes de resolver esses problemas ou dotá-lo de clareza tal que eles possam ser melhores compreendidos, assimilados, superados, levando a pessoa, se for o caso, a resolver-se com os interagentes do problema. Então, nesse processo não é a mente que se analisa ou é analisada por outra mente e encontra uma resolução mental para suas questões, mas é exatamente o relaxamento dela, a pobre consciência sofredora, e um vislumbre e as emanações superiores da mestra e do Ser real, que trazem ou des-cobrem na mente as soluções.

Assim, caso a pessoa faça um acompanhamento psicológico profissional, cabe a ela elucidar tais soluções para o terapeuta que, se minimamente aberto às noções transpessoais, “transmentais” ou mesmo (dentre as clássicas) as junguianas e afins, deverá obter maior êxito no tratamento. Ainda, mais lúcida, a pessoa tenderá a reconhecer se precisa ou não procurar outro(a) profissional que dê seguimento a seu progresso.

É notório – e mais está sendo estudado e documentado – que a Ayahuasca apresenta uma opção de tratamento eficiente para diversos distúrbios psicológicos, bem como para transtornos aditivos.

Curas

Vale lembrar também que para a visão indígena (bem como para a indiana e outras), não há uma separação rígida entre corpo, mente e espírito, sendo assim que sintomas físicos muitas vezes originam-se ou desenvolvem-se no espírito ou na mente e despejam-se no corpo: somatizam-se (do grego sôma=corpo), e são tratados pelos nativos da mesma forma, ou seja, podendo agir nas três instâncias. A Ayahuasca tem assim o poder de tratar sem diferenciação problemas físicos, mentais e espirituais.

Assim como o corpo, a mente e o espírito são unificados e intercambiantes, também não há separação real entre esses e toda a criação, sendo tudo e todos partes de um sistema uno. Por essa visão, toda doença ou “mal” do corpo ou da mente pode ser considerada uma doença espiritual, melhor dito, origina-se do fato do indivíduo ir contra esse sistema total do qual faz parte, a própria criação, quando não, é claro, está indo contra a própria unidade individual. Então, não é (só) por causa da culpa estabelecida por algum critério moral formalmente estabelecido que adoecemos, mas por estarmos indo contra nós mesmos, micro ou macrocosmicamente.

Os curadores Marúbo, sob efeito da ayahuasca, rapé e tabaco, entoam cânticos de cura sobre os doentes, realizando também a consagração da resina que será utilizada na pintura do corpo destes para o tratamento:

Antes de cantar pela primeira vez e nos intervalos, os curadores bebem ayahuasca e tomam rapé. Têm uma sequência padronizada: uma introdução narra como se formou o espírito da doença, constituído de partes de diferentes seres; uma narrativa de como a doença entrou no enfermo; a invocação de seres e qualidades que entram no corpo do enfermo para combatê-la, entre os quais tem papel preponderante o espírito feminino Shoma; e a recuperação do doente.

Povos Indígenas no Brasil – Marubo

Com a resina cantada fazem a pintura corporal de três tipos (…). Os desenhos têm a função estética de adornar e ao mesmo tempo o cântico na resina no corpo, curando-o, (…). Às vezes as pinturas abrangem quase todo o corpo significando que se encontra com dores pelo corpo todo. (…) A resina cheirosa não-cantada não é considerada remédio.

Delvair Montagner Melatti (1985, p. 285s), citado por Barbara Keifenheim em O uso ritual da Ayahuasca, p. 115

Depressão

O chá tem alguns princípios similares a medicamentos antidepressivos inibidores da MAO, os quais não podem ser tomados concomitantemente (daí o necessário período de desmame destes antes do uso do chá). Estudos científicos – por ex.: UFRN/UA Barcelona; FMRP-USP – também têm demonstrado o efeito antidepressivo da Ayahuasca.

Talvez a vantagem do tratamento que envolva o uso da Ayahuasca com relação aos outros seja o fato de que o chá aja em três frentes simultaneamente:

  • Fornece a suplementação química (que os tratamentos psiquiátricos também dão);
  • Propicia à pessoa uma autoanálise a partir de uma perspectiva elevada e muito clara (ver seção Terapia);
  • Permite à pessoa aproximar-se da, ou até mesmo vivenciar, a consciência da alma, e perceber que “ela tem uma mente, mas ela não é essa mente”. Logo, problemas que antes afligiam dramaticamente a mente são também relativizados com a ampliação do que a pessoa considera ser o seu ser: agora ela tem uma mente, mas é também e fundamentalmente um ser muito mais amplo, glorioso e complexo do que uma simples manifestação da matéria.
    • Alguns talvez argumentem que isso é um mecanismo de fuga, quando na verdade é o oposto da fuga: a pessoa “encara” de frente traumas e outros conteúdos mais ou menos conscientes na sua mente, cedo ou tarde supera-os e ganha a ampliação da consciência para além da mente. Como permanecemos encarnados e enredados na dimensão física, e nos primeiros estágios continuamos atrelados ao ego “separatista”, questões da mente continuam a aparecer, e às vezes voltam a necessitar de atenção ou encaramento; o que tende a diminuir é o sofrimento do ser por não mais estar identificado exclusivamente com sua mente.

Esses fatores somados reduzem drasticamente a quantidade química e a periodicidade que a pessoa necessita para o tratamento.

Já testemunhamos o caso de uma pessoa passar 6 meses “bem” (não-deprimida) após um único uso do chá, e após esse período não ter a necessidade de tomá-lo novamente por tantos meses mais, ou até mesmo casos de total superação da depressão e dificuldades psicológicas, casos aliás muito comumente relatados nas novas religiões ayahuasqueiras brasileiras.

Ao quebrar o padrão repetitivo das conexões neuronais, o psicodélico desliga a “Rede de Modo Padrão” e abre um escape para o paciente fugir de seus padrões de pensamento mais angustiantes [depressão, ansiedade, TOC, etc]. A mente passa a agir de outra forma maneira, ganha novas perspectivas.

Emanuel Neves e Larissa Pessi em Terapia com alucinógenos: faz sentido? – reportagem da Superinteressante

Impeditivos para o uso da Ayahuasca

O autopreparo é recomendado para todas as pessoas. Mas algumas requerem uma atenção especial.

Pessoas que já tiveram episódios de surto psicótico – ou que algum dos pais tiveram – merecem atenção especial por parte dos dirigentes dos grupos. Em alguns grupos e dependendo do caso, sua participação é vetada.

Esse acompanhamento e contato prévio com os dirigentes deve ser feito também por pessoas com histórico de esquizofrenia e internação psiquiátrica, ou mesmo crises de pânico recentes. Embarcar em uma experiência como a do chá sem um preparo psicológico adequado pode fazer a pessoa vivenciar situações perturbadoras.

Pessoas que fazem uso de medicamentos antidepressivos, sejam alopáticos, como os à base de fluoxetina, sertralina, citalopram, etc. ou mesmo os naturais ou fitoterápicos como o 5-htp e o hipérico (erva-de-são-joão), ou que façam uso de anorexígenos (para emagrecimento) devem relatar com antecedência ao dirigente do grupo, para possivelmente interromper seu uso, com acompanhamento, 14 dias antes de ingerir o chá, e não retomá-lo antes de outros 14 dias após. No caso do 5-htp, provavelmente 3 dias sejam suficientes.

❗️ Atenção: Não ingira o chá sem o acompanhamento responsável de um dirigente experiente. Comunique a ele os medicamentos que utiliza.

Em diversos povos ameríndios e também para pacientes de curandeiros amazônicos, a mulher menstruada não podia tomar o chá, pois o cheiro do sangue menstrual atrairia espíritos ignorantes e mexeria com a cabeça dos homens, em especial durante o ritual. O período ideal para consumo do chá por mulheres seria a partir de 10 dias após a sua menstruação. (Pedro Luz, O uso ritual da Ayahuasca, p. 51)

Por fim, mas não menos importante, um impeditivo para tomar Ayahuasca é ou deveria ser se sua intenção for o uso meramente recreativo, ou seja, sem um propósito medicinal, espiritual e ou de autoconhecimento. Corre-se o risco, nesse caso, de ocorrer o mesmo que se deu na importação sem consciência das folhas de coca para os meios não indígenas: o que é uma planta medicinal transforma-se em (mais) um veneno ou entorpecente.

Sugestões para ingestão do chá

Quando for tomar o chá, tenha absoluta liberdade para seguir ou não cada uma destas sugestões, avaliando se elas fazem sentido para você e para seu caminho:

  • Prévia: consulte o local da sessão sobre a necessidade de se levar colchonete, cobertor ou edredom, travesseiro (se desejar), não esquecendo-se de levar um agasalho.
    • Isso porque na etapa da meditação profunda há uma diminuição metabólica parecida com a do estado de sono e, caso venha a sentir frio, a sensação pode atrapalhar sua experiência.
  • Pratique um pouco de yoga da comida: Tenha um sentimento de reverência (como no namastê indiano) e agradecimento às plantas, à caapi, à chacrona e outras que tenham composto o chá. Se o sentir, pode adicionar um pedido de perdão e o desejo de renascimentos auspiciosos às vidas que foram dadas, ou seja, abençoá-las e também à bebida resultante delas, que irá incorporar-se a você. O espírito dela será sua mestra.
  • Estenda essa gratidão a todos os seres que fizeram com que essa bebida chegasse a você, o que se expande infinitamente pela natureza e pelo cosmos, como o sol, a lua. Então, sinta-se integrado a esse Todo.
  • Você pode tomar rapidamente seu copinho (mesmo índios o fazem).
    • Se o cheiro despertar alguma náusea em você, tome sem respirar pelo nariz que o problema é amenizado.
  • Se possível, enxágue a boca ou escove os dentes e limpe a língua após a ingestão, isso deverá evitar náuseas prematuras.
  • Mentalize pedindo a seu corpo aceitar o chá, pois esse é para o seu próprio bem.
    • Porém permita que o chá faça a sua limpeza física necessária; muitas vezes a experiência alucinógena é intensificada e acelerada quando o chá limpa o corpo e o mal-estar desaparece.
    • Não tenha medo de passar mal ou vomitar. Por exemplo, se você tomasse bastante água após o chá, poderia não passar mal, mas o efeito do chá seria também muito diminuído.
  • Prefira ambientes escuros e sem estímulos visuais. Sempre pode ser oportuno o uso de máscara de dormir (venda tapa-olhos). Muitos ameríndios faziam suas cerimônias à noite, por volta das 20h ou 21h – ou alguns logo após anoitecer – e que duravam de 6 a 8 horas, principalmente para evitar a iluminação solar, motivo também pelo qual alguns grupos não consumem o chá em noites de lua cheia. “Vê-se” melhor na escuridão.
  • Os chás de Ayahuasca não são uniformes, cada um tem uma concentração e potência, que variam conforme a quantidade dos ingredientes e tempo e modo de preparo. Por isso, consulte sempre a instrução dos líderes de seu grupo para saber a dosagem recomendada. Por exemplo, num chá de concentração mediana utiliza-se em torno de 2ml por kg de peso do participante, administradas em dois “serviços” espaçados por cerca de 1 hora – neste caso por exemplo uma pessoa de 65kg tomaria um copinho de 65ml em cada serviço. Caso a pessoa não “entre na força” da Ayahuasca, um terceiro serviço às vezes é oferecido. A mesma pessoa tomaria apenas 25ml + 20ml de um chá com concentração mais elevada (como a gradação “semi-mel”); sempre conforme recomendação dos dirigentes do ritual.
    • Em casos medicinais, além do peso do paciente e potência do chá, o curandeiro avalia também a natureza da enfermidade e meios de cura para determinar as dosagens.
  • Se você é um participante e não o condutor, não interfira na experiência dos outros. Se você foi junto a um parente ou amigo(a), não sentem/deitem próximos e não se preocupe com ele(a) (note que isso deixaria sua mente em alerta), há pessoas capacitadas para ajudar os que precisarem, e seu próximo está tendo também a experiência de que precisa.
  • “Mantenha-se calmo e não tente mentalizar, não tente entender tudo” – sugestão da S.E.D.A.-SP.

Como você vai sair da experiência

A maioria das pessoas que ingere o chá nesse contexto espiritual sai em paz, descarregada de inúmeros pesos, com um sentimento maior de autoconhecimento, tendendo a uma maior interação social e com o meio em que vive como um todo, podendo estender até onde o coração dela abarcar. Costuma-se obter maior consciência pessoal, social e ambiental. Então, não raro a pessoa transforma-se, tornando-se mais amorosa, sábia, correta, animada e disposta, o que a encoraja a tomar decisões há muito adiadas, sejam profissionais, de relações pessoais, estilo de vida, etc.

“Dei uma mudança de vida muito grande, passei a ser mais obediente, passei a respeitar o Ser Divino, todos os seres que habitam na Terra e que precisam ser respeitados também, igualmente a mim. Porque eu sei que todos os seres que vivem têm vida como eu, precisam viver também.”

Osmildo Silva da Conceição, O uso ritual da Ayahuasca, p. 224

“Eu encontrei um lugar de paz dentro de mim. Acho que desde que eu aprenda a viver nesse centro de paz, eu acredito que todo o resto vai voltar.”

James Freeman (em The Last Shaman, 1h14min45s)

Mais informações e grupos

Para saber mais, os grupos do Facebook funcionam como um canal de comunicação e fonte de informação para pessoas que fazem uso da Ayahuasca ou pretendem fazê-lo. Dois dos principais grupos são:

Casas e centros ayahuasqueiros

Nesses grupos você pode inclusive pedir recomendações sobre encontros com Ayahuasca perto de você. Procure também pela casa no Google e no Google Maps, através do nome e ou endereço dela, para verificar as avaliações recebidas.

Prefira casas que façam alguma entrevista e anamnese antes de aceitar sua inscrição e que disponham de pessoas para tirar dúvidas e ajudá-lo(a) em possíveis intercorrências. Algumas instituições que fornecem esse tipo de suporte:

  • Instituto ESD (ayahuascasp): Giuliano Alleva dirige sessões de Ayahuasca em São Paulo (e também oferece a possibilidade para pessoas de fora da cidade) de maneira individual, em casal, pequeno grupo de amigos ou grupos organizados por ele de até 25 pessoas. Pelo cuidadoso acompanhamento, este é um dos mais indicados institutos, sobretudo para quem está consagrando a medicina pela primeira ou primeiras vezes. A Ficha de anamnese pode ser preenchida no próprio site ayahuascasp.com.br e é possível contatar facilmente o Giuliano pelo Instagram ayahuascasp ou Whatsapp, através do linktr.ee na descrição do perfil no instagram (clicando em Informações sobre Sessões), ou nos botões Quero participar e Tenho interesse no site.
    • Seu Instagram ayahuascasp é há anos referência na divulgação de informação a respeito da Ayahuasca.
  • Caminho Sagrado

Aplicativo Ayahu

(disponível na Google Playstore) – ayahu.com.brfacebook.com/AyahuApp

O aplicativo Ayahu busca trazer mais conectividade e segurança para participantes e dirigentes de rituais e sessões com Ayahuasca, através de um cadastro de casas de todo Brasil e seus eventos. Divulga espaços de trabalhos espiritualistas que fazem uso da Ayahuasca e de outras medicinas da floresta. Possui área com listagem de medicamentos que não podem ser utilizados juntamente com o chá.

Leitura e mídias recomendadas

O uso Ritual da Ayahuasca

O uso ritual da Ayahuasca (Beatriz Caiuby Labate e Wladimyr Sena Araújo)

(736 págs.) Coletânea de 25 artigos escritos sobre o uso do chá, sendo a primeira parte destes dedicada a seu uso nativo e xamânico, entrando no universo religioso de diversas culturas indígenas, para em seguida abordar sua migração e uso nas novas religiões ayahuasqueiras. Organizada por Beatriz Caiuby Labate e Wladimyr Sena Araújo.

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