➡️ aham: eu (pron. 1ª pess. sing.).
➡️ kara (kāra): fazer, executar, trabalhar, criador, executor, autor.
Ahamkara significa o sentido de “eu”, de agente, a consciência do eu, o autoconceito. Trata-se do reconhecer-se como existência ou consciência individual.
Este sentido de eu em sua integração com o ser (a testemunha) de fato é o que costumamos chamar de alma individual, o ser.
Ahamkara e ego
Este sentido de eu é a origem do ego. A partir dele e de nossas experiências e memórias, desenvolvemos nossa identidade, nosso complexo do ego, quando a sensação de eu individual e separatividade é reforçada a partir das informações dos cinco sentidos recebidas pela mente sensorial e das experiências processadas e armazenadas por ela e pelo intelecto.
O eu e o Eu real
Ahamkara é o abhimana [autoconceito] (…)
Samkhya Karika verso 24
O termo ahamkara é encontrado no Samkhya Darshana – como um de seus 25 tattvas ou princípios elementais – e em diversos manuscritos indianos, como o Bhagavad Gita. Neste verso 24 do Samkhya Karika, ahamkara é descrito como abhimana, que significa o autoconceito, a noção de si, a autoideia de si, de eu.
Existem a consciência ou Espírito Transcendente e o Espírito Imanente ou Universo Manifestado, a Natureza. Essa consciência é o que você é, a que testemunha o mundo – ela está além da mente e do nosso sentido de individualidade. Sem nenhuma barreira, ela parece testemunhar mesmo o Universo inteiro, sendo mesmo o Universo inteiro.
No Samkhya, entre esse espírito imanifesto e o sentido de eu individual só há o intelecto, ambos já no domínio manifestado. Isso quer dizer que no macrocosmo a Inteligência Universal ou Mente Cósmica precede a “existência de indivíduos”, e que em nós, no microcosmo, o intelecto manifesta-se antes do senso de individualidade.
E onde está a mente sensorial e mnemônica? Após este ahamkara. Isso tem uma consequência lógica: que a transcendência ao ego pessoal, constituído na mente, não pode ser a transcendência completa do eu. Além dela está esse ahamkara, ahamkaramaya kosha, o véu do eu, que está sobre a consciência e pelo qual “atravessam” eflúvios, emanações desta – percebemos a consciência juntamente com o sentido de eu.
Conforme explicamos nos tattvas, por esse processo de diferenciação do espírito e da natureza, o “eu” muda-se do Espírito para ahamkara e é impelido a considerar-se um sujeito individual separado, uma alma individual.
O que sentimos existencialmente – e a Psicologia define – como eu é o próprio atman coberto do sentido de eu.
Da mesma forma que o eu do Espírito é chamado corretamente de Eu real, o eu de ahamkara é real dentro desta nossa relatividade, neste lila, jogo – é o eu que temos pro momento, aquele mesmo que sentimos e sobre o qual tratamos aqui. E a magia é que também conseguimos ter, neste exato momento, consciência pura, sem sentido de eu.
A “consciência individual” é um reflexo do ser. O eu individual é um reflexo do eu real.
Somos, literalmente, dois (ou duas). Ao mesmo tempo que somos a consciência amorfa que testemunha, somos essa existência individual, um pedaço da divisão que aparentemente aquela promoveu para a experiência sensorial.
Mas seja pela reflexão, interiorização ou meditação, chegamos a um fato existencial: nosso eu é individual, nossa consciência ordinária não é cósmica; um terremoto sacode Taiwan, um míssel atinge Gaza e não sentimos nada. Este seria o poder do véu, o poder de maya?
Pois considerando ahamkara o sentido de eu individual, além dele só pode estar o cósmico, o total, aquilo que realmente somos. A simples consciência já é nossa realidade, e a partir da existência individual temos lampejos de toda experiência cósmica, ainda que não consigamos acessá-la (ou nos acessar) plenamente.
Quando descascamos uma cebola, encontramos diversas cascas e não chegamos nunca ao miolo. Da mesma forma, quando analisamos o eu este desaparece completamente. O que sobra por último é o atman, a consciência absoluta (chit). Deus só aparece quando o eu morre.
Ramakrishna – Revista Planeta Especial Ramakrishna de fev/1975
Transcendendo o eu
Consequentemente, a transcendência desse eu é a autorrealização como o Ser Cósmico.
Aqui está a única renúncia real ou que realmente importa, a renúncia ao eu ou, melhor dizendo, ao sentido de eu – veja a fragilidade do conceito, ele só existe quando damos atenção ou pensamos ele!
Neste caso, o ser não quer mais a experiência individual, abre mão dela para obter o autoconhecimento supremo. Na teoria, é muito simples falar, mas existencialmente, experiencialmente é dificílimo; primeiro porque você precisa ter chegado a seu centro para perceber que neste centro há dois enfoques possíveis – o da consciência e o do eu individual -, isso não é nem mesmo uma questão para a maioria das pessoas – e talvez nem precise ser, toda essa pluralidade de existências é como a consciência se manifesta e desfruta.
Segundo porque, chegando lá, é um “suicídio”, um entregar-se, a morte da ilusão de ser uma alma individual, o único suicídio que é real.
Esse suicídio não tem nada a ver com aquele praticado contra o corpo, que só nos remete para outro plano de existência com, dizem, um desafio a mais para superar. Já que obviamente tivemos que abrir esse parêntese, existe outra modalidade deste último, a eutanásia consciente – proibida no Brasil -, que pode ser uma opção para uma consciência individual realmente madura e consciente, frente a problemas graves ou terminais de saúde que impedem seu desenvolvimento neste plano.
Quando praticamos essa entrega neste plano, nesta vida, se continuamos encarnados o sentido de eu sempre vai voltar (como diz Ramakrishna), pois faz parte da manifestação universal.
Embora você (o eu) possa deixar de existir, aquilo que realmente é sempre permanece.
Karma Yoga e Laya Yoga são exemplos de caminhos que lidam diretamente com ahamkara ou sentido de eu, além do Jnana Yoga ou Autoconhecimento, que é o que você está fazendo neste momento, que busca primeiro o compreender (intelectualmente) para depois o realizar.
Textos e reflexões
- Volição e transcendência ao ego, por Wei Wu Wei
- O eu individual, por Ramakrishna
- Do sono profundo à iluminação, por Ramana Maharshi
Pesquise aqui referências a Ahamkara no site.
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