Volição e transcendência ao ego, por Wei Wu Wei

A alegria de viver (Wei Wu Wei)

A mera evitação das intenções deliberadas pode levar-nos à iluminação.

Shen Hui

A tentativa de um fantoche “vivido” de dirigir sua vida é essencialmente idêntica à de um fantoche “onírico” [sonhado] tratando de dirigir seu sonho. Esse tipo de tentativa é a única realidade que nos é dado conhecer.

Mas ninguém pode “viver” nem tampouco há nada que possa “ser vivido” por qualquer entidade. Ambos os casos referem-se a fantoches que reagem a impulsos gerados por condições psicológicas sobre as quais lhes falta o mínimo controle. Nem são objetivamente sensíveis, nem são entidades, visto que a aparente “sensibilidade” de ambos nada mais é do que um reflexo da mente, e isso é tudo o que são.

A noção de um “eu” que abriga intenções é em si mesma um mero reflexo. Seu papel como origem dos supostos atos volitivos é uma fantasia, a fantasia que dá origem ao sofrimento. Assim, na ausência da fantasia do devaneio, temos a benção do sono profundo e, na ausência da fantasia de viver, temos a bem-aventurança do “nirvana” ou vida desperta.

A vontade é a causa temporária do conflito psicológico, enquanto a intenção deliberada é a causa temporária do conflito físico. Na atemporalidade não há intenção e, sem intenção, não há contrapartida para a beatitude, termo que, dito seja, constitui uma indicação convencional para se referir ao estado de ser incondicionado e desprovido de qualquer elemento de objetividade.

A volição, portanto, é a cadeia psicológica que mantém o indivíduo fenomênico confinado em sua aparente escravidão, uma vez que a volição é o pseudossujeito tentando atuar independentemente da força das circunstâncias, uma pretensão cujo absurdo resulta manifesto.

Os ensinamentos dos mestres de todas as escolas de liberação, não só budistas como também vedânticas, taoistas e até semíticas, afirmam de uma forma ou de outra, o “Seja feita Vossa vontade”, isto é, a tentativa de liberar o pseudoindivíduo das cadeias da volição mediante o conhecimento, a prática e a estratégia, já que quando se abandona a volição, a escravidão desaparece.

As doutrinas mais puras – como as de Ramana Maharshi, Padma Sambhava, Huang Po e Shen Hui -, nos ensinam que a análise é suficiente para compreender que não existe nenhuma entidade que possa ter volição efetiva e que um ato aparente da volição, quando está de acordo com o inevitável, só pode ser um gesto vão e, quando está em desacordo, o mero esvoaçar de um pássaro contra as grades de sua gaiola. Essa compreensão nos permite ao menos permanecer alegremente em paz.

Quando éramos crianças, podíamos ir à feira e fingir que estávamos dirigindo um carro de corrida. O carro tinha um volante que parecia reagir aos nossos movimentos, mas na realidade o veículo era conduzido automaticamente por baixo. Como você instintivamente girava o volante na direção em que o carro deveria ir, não era difícil acreditar que você o estava controlando e era difícil parar de tentar dirigi-lo e permitir que ele se movesse sozinho, porque isso poderia causar um desastre. Exatamente assim é nossa forma volitiva de viver. A vida não volitiva é uma vida cheia de alegria.

Ser “vivido” como uma não-entidade constitui uma vida subjetiva na qual não há espaço para o sofrimento, na qual não há lugar para preocupações e na qual tudo é-o-que-é e deve ser. Porque essa “intenção” é a responsável pela concepção dualística e a subsequente comparação dos opostos interdependentes, um dos quais é “positivo” e o outro “negativo”.

Essa é, em definitivo, a vida numênica, à qual podemos também denominar “reintegração”.

Wei Wu Wei, em Tudo o mais é escravidão, cap. XXIX

Texto narrado em espanhol

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