Esta página é uma reflexão a respeito da captura de Jesus e os motivos de sua crucificação. Provavelmente será incrementada e até transformada posteriormente, ainda que o propósito da exposição do Caminho de Jesus não seja a descrição histórica do mestre, mas seus ensinamentos.
Questão: Seiscentos soldados foram prender Jesus?
Esta ideia é uma interpretação de João 18:3. Isto porque a palavra speira (σπεῖρα, σπεῖραν) utilizada no texto, uma “coorte”, pode significar tanto uma décima parte de uma legião de soldados (600 homens), uma trigésima parte (200 homens) como qualquer bando, companhia ou destacamento de soldados.
Então Judas tomou um destacamento [speira, uma coorte] e alguns criados dos sumos sacerdotes e dos fariseus, e se dirigiu para lá com tochas, lanternas e armas.
João 18.3 – Bíblia do Peregrino (contexto na ACF)
O fato de serem necessários 600 soldados para prender um único homem quer dizer que, quase necessariamente, este homem está bastante acompanhado e que, ademais, seu grupo é suficientemente numeroso e agressivo para oferecer resistência, caso fosse enviado um grupo militar menor. Isso contaria pontos para a teoria de que Jesus foi um violento líder revolucionário e que talvez fosse essa sua principal vocação ou propósito. Mas, como dissemos, a palavra speira não quer dizer necessariamente 600 militares.
O que mesmo em João advoga contra a teoria do “perigoso revolucionário” Jesus é sua reação pacífica e suspeitosamente magnânima narrada a partir do versículo 4.
Relato levemente diferente em Marcos
Mas agora bem, é sabido que o Evangelho de João é o teologicamente mais desenvolvido e, portanto, posterior aos sinóticos, os outros três. E que, muito por essa razão de desenvolvimento, Marcos é considerado, dentre os evangelhos conhecidos, o mais antigo.
No relato de Marcos, seguido pelos demais evangelhos, a responsabilidade pela crucificação de Jesus é retirada de quem, segundo o próprio relato, a executou de fato, ou seja, o Império Romano através do julgamento de Pilatos, e atribuída aos judeus.
É narrado que Jesus é capturado pelo regime civil interno dos judeus, comandado pelos sumos sacerdotes, que posteriormente o entregam a Pilatos. Em Marcos, a multidão que o prende não é de soldados.
E logo, falando ele ainda, veio Judas, que era um dos doze, da parte dos principais dos sacerdotes, e dos escribas e dos anciãos, e com ele uma grande multidão com espadas e varapaus.
Marcos 14.43
Alguém que estava com Jesus tentou defendê-lo investindo contra o servo do sumo sacerdote – João (10.11) atribui o golpe a Simão Pedro.
E um dos que ali estavam presentes, puxando da espada, feriu o servo do sumo sacerdote, e cortou-lhe uma orelha.
Marcos 14.47
Caso houvessem soldados, ou muitos soldados, presentes, esse ataque pareceria vão se feito isoladamente e, ademais, se fosse feito por um integrante de uma legião que acompanhasse Jesus, provavelmente teria se dado em meio a uma batalha impossível de ser freada pelas palavras do mestre, ou a desencadearia.
Marcos retrata Jesus como um rabi, um mestre, não como um simples revolucionário:
E, respondendo Jesus, disse-lhes: “Saístes com espadas e varapaus a prender-me, como a um salteador?
Todos os dias estava convosco ensinando no templo, e não me prendestes; mas isto é para que as Escrituras se cumpram.”
Marcos 14.48-49
O grupo de Jesus não oferece resistência:
Então, deixando-o, todos fugiram.
Marcos 14.50
Os judeus levam-no ao sumo sacerdote e estes ao Império Romano:
E levaram Jesus ao sumo sacerdote, e ajuntaram-se todos os principais dos sacerdotes, e os anciãos e os escribas.
Marcos 14.53
E, logo ao amanhecer, os principais dos sacerdotes, com os anciãos, e os escribas, e todo o Sinédrio, tiveram conselho; e, ligando Jesus, o levaram e entregaram a Pilatos.
Marcos 15.1
Em Marcos, os soldados vêm a aparecer somente mais tarde (15.16) quando reúnem sua speira, coorte, para preparar, em meio a humilhações e zombaria, Jesus para a crucificação (15.16-20).
Como Mateus a partir do vers. 26.47 segue o relato de Marcos, a palavra coorte aparece em 27.27-31 nas mesmas circunstâncias que neste.
Então, mesmo se considerarmos a narrativa de João 18 legítima, o mais plausível é que speira ali signifique um destacamento de soldados, em um número razoável para a tarefa, muito inferior a 600.
A revolução de Jesus
A “revolução” de Jesus que provavelmente tenha incomodado o Império e lideranças religiosas é o igualitarismo humano. A sua conduta e ensinamento jogava por terra linhas divisórias da sociedade e seus próprios fundamentos: a distinção de servo ou escravo e senhor, judeu e gentio, homem e mulher, ricos e pobres.
O potencial disruptivo de sua mensagem era, assim, muito maior do que a de um “simples” revolucionário político, o que pode ter levado as autoridades do império, e talvez também as religiosas, a eliminarem-no.
Essa mensagem podia se manifestar também em atitudes efetivas, como o significativo episódio da expulsão dos mercadores do templo relatado em Mc 11.15-18, reproduzido por Mt 21.12-13 e Lc 19.45-46 e amplificado por João em 2.13-16, que estudiosos especulam ser de fato um dos possíveis pretextos para sua crucificação. O final (v. 18) dessa passagem demonstra como provavelmente ali, no grande templo em plena comemoração da Páscoa judia, sua popularidade estava crescendo a níveis que podem ter alarmado as autoridades ainda que, para sermos honestos, provavelmente não era tão grande como tendemos supor, dada a ausência de relatos acerca de Jesus nos documentos contemporâneos conhecidos – as referências dos historiadores Flávio Josefo e Tácito são retroativas e até indiretas.
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A semente de mostarda (Osho)
A semente de mostarda é uma coleção de 21 discursos proferidos em 21 dias seguidos por Osho em Poona (Índia) em 1974 sobre ensinamentos de Jesus presentes no Evangelho de Tomé, que teve seu mais completo manuscrito descoberto em escavações em dezembro de 1945, próximo a Nag Hammadi, no Egito.
Osho lança luz para além da interpretação teológica convencional sobre as palavras de Jesus presentes neste documento, que permaneceu totalmente marginalizado pela Igreja, não obstante possua muitas passagens em comum com os evangelhos canônicos, como a própria parábola da semente de mostarda
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