Cartas de Cristo – análise e pdf – Segunda Parte: Alguns pontos de crítica

Veja na Primeira Parte o início deste texto. | Veja na Terceira Parte (Final): Conclusão e livro

Alguns pontos de crítica

Essas observações não são para lhe desencorajar a ler ou ouvir as cartas. Sempre examine, reflita, experiencie por si mesma(o), e tire suas conclusões. Talvez a função desta página sobre as cartas seja lançar luz a respeito de sua autoria e dispensar cristãos e simpatizantes da obrigação de continuar a lê-las caso o conteúdo delas não esteja agradando.

Por que Jesus precisaria dela para se manifestar?

Eu vim para retificar as interpretações errôneas colocadas sobre os ensinamentos dados quando conhecido como ‘Jesus’ na Palestina, 2.000 anos atrás.

Carta 1 p. 1 (5)

A primeira pergunta que se faz é: Por que Jesus demorou tanto tempo para retificar as milhares de interpretações errôneas e mudanças dos seus ensinamentos, que contribuíram para gerar tanto sofrimento humano? A resposta nas cartas é que ele precisava treinar alguém, que pudesse se esvaziar completamente de si, para se sintonizar com sua consciência. Pessoas assim têm existido há séculos, mas por algum motivo essa médium foi especial para essa missão.

E por que não reencarnou?

Para poder reportar seu estado de espírito durante os episódios de quando estava encarnado há dois milênios, o Jesus do Canal teve de descender às nossas vibrações. O mesmo deve ter se passado para contatar a registradora (por mais especial que ela seja). Contudo ele afirma (na Introdução) que “é impossível para minha consciência espiritual assumir a forma humana”. Por que?

Gente, essas comunicações mediúnicas não são fiáveis. Em qualquer casa que pratique o contato com consciências extrafísicas, pululam entidades que são conhecidas no Espiritismo como espíritos mistificadores, guias cegos e em outros meios como “mestres” iludidos. Um exemplo de trabalho desses guias amauróticos é O Livro de Urântia (Wikipédia) que conta, como todos os outros, diferente versão daquelas contidas nos demais e nessas cartas. Já apareceram milhares de Jesus, Marias, São Franciscos, Sócrates, Cleópatras. Vi outro dia que até o Osho já deu as caras (ou as vozes!). Previsões e afirmações das mais diversas são feitas. E essas comunicações são imprecisas, não costumam trazer nenhum conhecimento original preciso, são geralmente reformulações do que já foi escrito na Terra. O próprio Espiritismo está permeado de comunicações assim. Se você quiser conhecer alguns outros Jesus psicografados, dentre os que estão publicando, já temos uma outra Cartas de Cristo 100% nacional (que aparece nas buscas da Amazon sob autoria de de “Jimmy de Mello e Ganesha Ishaya”) ou esta internacional, além de um dos pioneiros modernos O Evangelho Aquariano de Jesus, o Cristo, as “revelações” recebidas por Joseph Smith Jr. (textos aqui), etc.

Ao ler as cartas, fica muito claro que o “caminho” traçado pelo Jesus do Canal são os meios que a médium obteve suas próprias experiências de transcendência espiritual, especialmente através da purificação e devoção com oração ou prece. O seu Jesus afirma que “as pessoas devem orar e se esforçar o tempo todo para alcançar o Amor incondicional”. Ela replica repetidas vezes, como vamos ver, as circunstâncias e atitudes que culminaram em suas próprias experiências espirituais. Jesus só chega até onde a médium experimentou e conheceu por si própria. E por isso muitas vezes falta profundidade, diversidade de possibilidades de experiências e mesmo conhecimento de aspectos holísticos importantes do ser como alma.

A própria meditação exposta na Carta 8 inicia-se com uma oração. Esse procedimento devocional de orar para meditar é muito parecido com o adotado por Yogananda, um bhakta iogue ou devoto explícito. Este, por sinal, também alega ter estabelecido sintonia com Jesus e recebido sua inspiração e visões para escrever seus comentários publicados em três volumes como A segunda vinda de Cristo. Nas Cartas de Cristo, “Jesus” não diz nada sobre esse contato prévio. Em ambos os casos, parece ter havido mesmo sublimação espiritual, mas também uma idealização mental que projeta Jesus nessas inspirações. O erro é tomar os resultados dessas inspirações como autoria de Jesus ou ainda como verdades absolutas.

Consciência sectária

"Jesus está chamando você"
“Jesus está chamando você clipart” © creazilla.com

A consciência que transmitiu essas cartas caiu no mesmo erro do Cristianismo e da maioria das religiões: o sectarismo ou antiuniversalismo. Apresentando o seu como o melhor caminho (ou ainda o único!), o Jesus do Canal não se livrou do arquétipo de herói salvador que o Cristianismo lhe conferiu. Esse talvez seja o maior problema das cartas, já que pode levar mentes a ficar presas a elas. Lembre-se que não existe um caminho absoluto; e mesmo o melhor caminho, no final, tem de ser abandonado.

Só depois de ter experimentado tudo o que falei – por si mesmo – é que começará a ter alguma ideia do que estou tentando lhe dizer. Portanto, que ninguém que leia minhas Cartas conteste ou negue a verdade do que estou ensinando a você – ou refute minhas palavras – pois em verdade lhe digo que você não pode conhecer totalmente o que não experimentou.

Somente aqueles que me seguirão em aceitação e fé na meditação diária, na limpeza da consciência e na oração apaixonada pela iluminação, que eventualmente obterão vislumbres cada vez mais profundos – então experiências – do que a própria criação pode acessar – a Consciência Divina.

Carta 6 P. 8 (134)

No primeiro parágrafo o Jesus do Canal não admite refutação (assim como na passagem abaixo). No segundo, a médium transcreve o processo pelo qual ela mesma passou e replica o seu método de devoção para obtenção das experiências transcendentais espirituais e da experiência de Deus.

E eu digo a você que lê estas palavras – que ninguém ouse negar a Verdade que eu falo até que eles também tenham trilhado o Caminho da Autorrenúncia que eu percorri na terra e alcançado a mesma união com o ‘Pai’ e as alturas de conhecimento incontestável e compreensão que eu possuía. Quando tiverem alcançado tudo isso, não terão mais nenhum desejo de negar a verdade que lhes falo, mas serão incapazes de se conter para não se unirem a ‘mim’ no ensino de seus semelhantes. Até lá, mantenha-se calado e não deixe ninguém saber de sua ignorância.

Carta 3 p. 10 (66)

Nunca se viu um iluminado tão “eu”. Certamente temos que usar esse pronome para nos comunicar, mas vê-se claramente que o centro desse eu está no ego, na identidade pessoal que faz, que fez. Talvez seja por isso tenha sido usada a forma passada do verbo possuir – quando nos unimos ao ‘Pai’ e percebemos quão bons fomos para chegarmos lá, já não estamos mais unidos. O que salvou foram as aspas em ‘mim’ porque de fato, quando o ser se torna a iluminação, não há um mim ou eu pessoal.

Eu, o Cristo, digo a você, verdadeiramente, não há verdade superior ou caminho superior a ser oferecido a você neste momento.

Carta 9 p. 10 (212)

Há sim, para citar alguns, os textos e instruções das Upanishads, de Patanjali, do Tao Te Ching, do Zen e do Gita são superiores. Eckhart Tolle traz em seus livros muito mais interpretações inspiradas sobre Jesus do que essas cartas. As leituras e comentários de Osho das antigas tradições e os ensinamentos dele e de tantos outros mestres sobre elas também são superiores. E, talvez o mais importante, todos esses mestres escreveram de maneira mais autêntica, não partindo de uma mentira, que é a atribuição dessas cartas ao mesmíssimo Jesus.

Assim, use essas cartas como um estágio ou degrau de autoconhecimento, mas não se prenda somente a elas. E quando tiver de “saco cheio” desse Jesus (como pode ocorrer com relação a qualquer mestre), siga adiante sem medo.

Esta é a BESTA perseguindo suas terras e alimentando um miasma de bestialidade em mentes inocentes.

Será perpetuado até que meu Conhecimento Crístico seja reconhecido, aceito e vivido pela maioria das pessoas na terra. Porque esse conhecimento mostrará a você como voltar ao verdadeiro CAMINHO DA VIDA para começar a criar o tipo de vida que você realmente deseja.

Carta 1 p. 4 (8)

Novamente, sempre parece que o Jesus do Canal faz questão que o conhecimento existencial espiritual do ser humano e do Universo seja reconhecido somente da forma que ele está expondo e com sua assinatura pessoal. O próprio termo Crístico é indissociável da ideia de um ego pessoal de Jesus. A Existência ou a Verdade não atribui-se a si assinaturas pessoais, não há assinaturas; portanto um iluminado ou, melhor dizendo, um ser que é um canal para Existência, não as manifesta dessa forma.

Yogananda usava a expressão “Consciência Crística” para se referir à Consciência ou Consciência Cósmica Manifestada (o “filho” da Trindade), muito mais para fazer com que os cristãos entendessem sua mensagem, deixando claro que ela poderia ser chamada Consciência de Krishna ou Kutastha Chaitanya. Simplesmente Consciência.

Note bem: Sua atual crise global, introduzindo uma nova quebra do Direito Internacional e lançando as bases para o futuro terrorismo global, indica claramente que nenhuma religião no mundo possui o conhecimento necessário e liderança efetiva para iniciar mudanças nos padrões mentais humanos – o que levará diretamente a Paz e prosperidade.

Carta 1 p. 5 (9)

Aqui está uma falácia. Existem diversas religiões, ensinos e caminhos espirituais já citados que alcançaram os mais altos ideais e possuem o conhecimento e fornecem subsídios para produzir pessoas iluminadas, como o fazem desde tempos imemoriais. O problema socioespiritual (ou um deles) é que os líderes das maiores religiões (e os outros detentores de poderes), por ignorância ou ganância, mantém há milênios as grandes massas atadas a sistemas de crenças limitantes. E há também aquelas pessoas que, atadas à cegueira do ego, simplesmente não se importam com o que esses antigos caminhos têm a dizer, mesmo porque há outras falácias ou crenças (pseudo) “científicas” que corroboram essa conduta e fazem com que o ser humano ignore suas própria natureza.

Cabe dizer também que, ao contrário do que possa parecer quando olhamos para as grandes massas manipuladas, os dogmas religiosos e o poder da Igreja estão em franco declínio nas últimas dezenas ou centenas de anos, fenômeno este impulsionado, entre outros, pelo próprio avanço (agora realmente) científico e de pesquisa e do aumento significativo da liberdade e autonomia das pessoas, agora livres do poder institucional obrigatório da Igreja.

Em suma, as “mudanças nos padrões mentais humanos” já estão em curso e se dando das mais diversas maneiras, pelos mais diversos caminhos, e a solução proposta nessa mensagem do Jesus do Canal e seu ego megalomaníaco de centralizar essa transformação é tão sectária quanto qualquer outra religião que se considere dona do caminho único.

As igrejas, que afirmam acreditar na minha existência, têm estado tão absortas em suas próprias tradições religiosas concebidas pelo homem quanto os materialistas. Agora, na décima primeira hora, quando o medo desceu sobre as massas e elas estão preparadas para atender às minhas palavras, as portas certamente devem se abrir ou novamente meus esforços pela humanidade terão sido em vão.

Eu vim para dizer que de fato haverá uma separação das ‘cabras’ das ‘ovelhas’ como foi registrado nos evangelhos da Bíblia. As ‘ovelhas’ referem-se àquelas almas que podem receber pacificamente a mais alta verdade espiritual já dispensada na terra. As ‘cabras’ referem-se àqueles que não têm capacidade de ouvir nada ou ninguém porque têm um espírito rebelde e um egocentrismo muito grandes.

Por que eles serão separados neste momento? Eles serão separados porque aqueles que são capazes de receber a verdade contida nestas páginas e viver de acordo com as diretrizes das Leis da Existência descobrirão que, embora o próximo período da história mundial seja realmente amargo, eles continuarão em relativa paz e proteção, satisfação das necessidades e elevação do espírito.

Carta 4 p. 2-3 (78-79)

Essa passagem é bem problemática. Ela dá a atender que temos que aceitar a “cor verdade” do Canal do Jesus.

Há um certo sofisma na frase “são capazes de receber a verdade contida nestas páginas e viver de acordo com as diretrizes das Leis da Existência”: O Jesus do Canal soma receber as verdades dessas cartas com um fator universalmente aceito, viver de acordo com as diretrizes das Leis da Existência, como duas premissas necessárias, porém dá a impressão de quem quer que negue essa frase está indo contra viver de acordo com as diretrizes das Leis da Existência.

Quanto à separação de ovelhas e cabras, pra princípio de conversa, somos pessoas. Mas assumindo as metáforas utilizadas, existencialmente o caminho do ser humano é melhor descrito como sendo o de se consolidar como uma cabra, ou um leão, uma qualidade existencial consciente, capaz de julgar, rechaçar, aceitar, se autoconhecer, percebendo a integralidade do que se é, de sua essência divina, do que é seu intelecto puro, do que é o ego. A partir do autoconhecimento consciente, uma fase de transição – que poderia ser chamada “ovelha” ou não-ego ou não-resistência – é a diluição do que se é na existência cósmica, a autopercepção como o Todo, o deslocamento do seu centro do seu ser para o ser universal, de atman para brahman. Novamente, não é uma questão de ovelhização, mas de plenitude, o reconhecimento do que se é, além da mente (onde estariam essa humildade e obediência ou rebeldia e orgulho). Sem uma visão completa desse processo, o simples direcionamento como “ovelha” por um ser externo a você não é de ajuda – a essência do que você é e do seu caminho é interior.

Ainda que, a rigor, a entrega a qualquer guru pode funcionar, a entrega a um pseudo-Jesus megalomaníaco canalizado, que não explica exatamente o que é essa entrega, o que é o não-ego, já que ele mesmo não chegou lá, é extremamente perigosa. Quem estava no Brasil nas eleições de 2022 pôde perceber o que acontece quando as pessoas viram ovelhas nas mãos de líderes religiosos. Temos uma notícia para você: você é um ser humano!

Poucos vão perceber, mas esse segundo parágrafo tem um tom de ameaça e imposição da aceitação pacífica (passiva) da “mais alta verdade espiritual já dispensada na terra” [sic], associando a aceitação dessas cartas à terrível separação das ovelhas (más) dos bodes (bons), aonde as primeiras vão para o céu e os últimos para o inferno, de Mateus 25:31-46. O Jesus do Canal está literalmente ameaçando quem não o aceitar. E tudo isso remete ao mesmo paradigma errôneo cristão dos “salvos”, “escolhidos”, que é uma continuidade da noção de “povo escolhido” do Antigo Testamento.

Estas Cartas oferecem o único meio verdadeiro pelo qual as pessoas encontrarão o caminho para a dimensão espiritual na qual todo o erro humano desaparece e só resta o amor.

Carta 3 p. 3 (59)

Esta passagem dissipa toda dúvida sobre a autoria das cartas. Não é uma afirmação eventual. Em diversos outros pontos o Jesus do Canal afirma que o apresentado é o único caminho válido, que fora ele não há outro. Esse é o mesmo ingrediente que transformou o Cristianismo e tantas outras religiões em seitas, com pessoas não aceitando nada que venha de fora. “SÓ O MEU CAMINHO É VÁLIDO”: Um iluminado NUNCA falará isso pra você.

Um verdadeiro mestre ou um amparador espiritual ético pode dizer: este é um bom caminho, funcionou para mim, talvez funcione também para você, mas há (ou há de haver) outros.

Falácias e imprecisões espirituais

Assim como o Homem deve aprender a canalizar, diariamente, o “Aspecto Pai” da Consciência Divina para a família e o trabalho, a Mulher também deve aprender a expressar o “Aspecto Mãe” da Consciência Divina em sua vida diária.

Aqueles que negarem esta Verdade terão o acesso negado aos Reinos Celestiais até que tenham aumentado sua percepção espiritual e mudado suas atitudes em espírito de oração.

Carta 4 p. 17 (93)

Aqui, assim como o Paulo do Novo Testamento, o Jesus do Canal nega os reinos celestiais a determinadas condições humanas; na verdade nada é necessário para entrar nos reinos celestiais, é muito mais uma condição de abandonar e deixar-se ir do que agir, aumentar ou incorporar.

Na sequência desses parágrafos, ele fala sobre conceitos com paralelos nas Religiões Hindus: Roda de samsara, ego, brahman e moksha.

‘Eu já lhe disse. Você entra no Reino dos Céus quando se arrepende de tudo o que é em seu coração e mente. Quando você leva seu mal ao ‘Pai’ e pede perdão e ora por força para ser purificado de seus maus pensamentos, palavras e ações, e você finalmente se livra deles, então você pode ter certeza de que está prestes a encontrar o Reino dos céus.

Carta 3 p. 7 (63)

Você entra no reino dos céus quando já não há mais ninguém para se arrepender, pedir perdão e orar. Quando você não estiver mais, “você” chega. A linguagem mais superficial dessa passagem pode ser relevada por conta do público a quem Jesus estaria falando essas palavras, já que é um relato de quando ele estava discursando no mundo há dois mil anos.

Vale lembrar que a palavra grega (μετανοώ) usada nos evangelhos traduzida como repent ou arrepender quer dizer literalmente “pensar depois”, “repensar”, “mudar de ideia”, “mudar de mente”. Nem tudo o que somos em nosso coração e mente é merecedor de arrependimento, e a conotação moral que essa palavra tem não é espiritualmente muito correta, remetendo mais à culpa que a sociedade e os líderes religiosos tanto gostam de apregoar (que por isso talvez a médium sentisse) mas que geralmente não ajuda na caminhada espiritual, a não ser no caso de mentes realmente criminosas.

Verbos muito mais exatos do que se arrepender seriam se transformar e transcender.

A pureza em todas as suas formas transcende todas as fomes físicas terrenas. Pureza é a habilidade de ver a tentação pelo que ela é – grosseria de pensamento e sentimento que aprisiona os sentidos de homens e mulheres fazendo coisas impuras. Uma pessoa verdadeiramente pura deseja apenas um ambiente limpo e honesto adequado ao seu desejo inato de amor espiritual e beleza de autoexpressão em todas as facetas de suas vidas. Essa é a verdadeira Pureza.

Carta 4 p. 15 (91)

Esse parágrafo parece impecável, não fosse pelo “coisas impuras”, que dá um toque moralista à mensagem e não a explica num sentido mais amplo: a pureza moral ou prática é parte do caminho de “purificação”, mas não todo. Num primeiro estágio os mestres, como este, apontam atitudes para limpar a mente: no yoga esse processo é chamado soucha (pureza), um dos niyamas. Porém, quando se está se aproximando do ideal máximo de “pureza”, nada mais é impuro, não existe “tentação” nem santidade, porque a impureza está na mente, ou a mente é a impureza. O que você realmente é não é de fato tocado pela matéria, embora também a toque (quase tudo na existência é paradoxal).

Falta de esclarecimentos sobre a pessoa de Jesus

Além do ponto básico bem citado nas cartas de que o Cristianismo é Paulino, o Jesus do Canal, tão informado acerca dos temas do mundo, não lança nenhuma luz sobre algumas controvérsias importantes sobre sua pessoa.

Existem por exemplo muitos debates sobre quem foi o Jesus real, já que os evangelhos datam de décadas após o seu desencarne, sendo que o primeiro canônico a ser escrito, o de Marcos traz um Jesus vigoroso e mais humano, os evangelhos de Lucas e Matheus iniciam sua divinização antes do nascimento, o colocando por obra do Espírito Santo no ventre de uma virgem, por ex., e João conclui essa divinização.

Diversas alterações foram feitas nos evangelhos e muitas adições foram acrescentadas com relação aos feitos que realmente se passaram, desde as fontes, passando por Marcos, e posteriormente por Lucas e Matheus.

Como é que o Jesus do Canal, tão disposto a transformar o Cristianismo, sequer citou, afirmando ou negando, um dos pilares da fé cristã sectária: que Jesus não é filho de um homem, mas nasceu de uma virgem por obra do Espírito Santo, e portanto já nasceu não-exatamente-humano? Se o que está escrito nos evangelhos sobre a concepção imaculada de Jesus está correta, Maria saberia e Jesus também. Mas o que temos sobre o início da infância de Jesus não esclarece esse ponto:

Minha mãe estava convencida de que eu seria um Messias. Ao contrário da crença popular, eu não era uma criança santa (…)

Carta 1 p. 8 (12)

As cartas também apenas corroboram possíveis lendas dos evangelhos canônicos a ele atribuídas dizendo que pela manipulação dos elementos e ou do conteúdo mental universal foi possível realizar aqueles milagres, e não dizem nada a respeito de textos não canônicos importantes e relevantes, como o Evangelho de Tomé.

A iluminação repentina de Jesus e a similitude com as experiências da médium

Segundo as cartas, Jesus, que levava uma “vida de egoísmo, preguiça e prazer”, na expectativa de começar uma nova vida teve, sem uma busca intensa anterior ou etapas intermediárias de autoconhecimento, uma iluminação praticamente repentina (não que seja impossível), desencadeada a partir de seu batismo por João. A experiência extática da ocasião revivida dias depois no deserto é suspeitamente parecida com a experiência da médium (descrita na Introdução às cartas).

O que realmente aconteceu quando João me batizou foi uma experiência completamente diferente de tudo o que eu jamais imaginara ser possível.
Senti uma grande onda de tremenda energia percorrer meu corpo. Eu estava literalmente atordoado com isso. Ao cambalear para fora do rio, senti-me elevado em consciência de uma forma extraordinária. Um grande influxo de felicidade brilhante elevou-me a um estado de êxtase. Eu estava extasiado e consciente de uma grande Luz.
Tropeçando, afastei-me do rio e caminhei e caminhei, sem saber para onde ia. Eu segui, sem dar-me conta, para dentro do deserto (…)

Carta 1 p. 10 (14)

Em seguida, tal qual a médium, o Jesus do Canal passa por um processo de limpeza interior e sua conclusões e experiências provavelmente foram as da médium quando teve sua experiência transcendental:

Observe! MINHAS SEIS SEMANAS NO DESERTO foram um período de total limpeza interior da minha consciência humana. Velhas atitudes, crenças e preconceitos foram dissolvidos (…)

Fui elevado à luz interior radiante e me senti vibrante e maravilhosamente vivo com poder. Fiquei cheio de êxtase e alegria e soube, sem sombra de dúvida, que ESTE PODER era o verdadeiro Criador, do qual todas as coisas criadas receberam seu ser.

Carta 1 p. 10 (14)

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Terceira Parte (Final)

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