Evangelho de Tomé

O Evangelho de Tomé é um escrito na forma de ditos ou logia (anúncios, plural de logion), como a chamada Fonte Q (do alemão quelle, “fonte”, que fornece material para Lucas e Mateus), proferidos por Jesus e registrados por Judas Tomé (Dídimo), conforme a frase de abertura deste documento.

➡️ tomé ou tauma (aramaico, escrito tomas [ⲑⲱⲙⲁⲥ] em copta): gêmeo. Tomé (Tauma, Tomas) pode ser também nome próprio (talvez recebido em ocasião de ser um gêmeo) ou um “apelidado” distintivo para diferenciá-lo do outro Judas (Escariotes) da tradição.
➡️ dídimo ou dídimos (grego [δίδυμος], aramaico dídimos [Ⲇⲓⲇⲩⲙⲟⲥ]): gêmeo

Nag Hammadi Codex II
Página do Códice II da biblioteca de Nag Hammadi: “Evangelho de Tomé e Livro secreto de João (Apócrifo de João)” © CC Manuscritos en el tiempo

Helmut Koester (em A Biblioteca de Nag Hammadi, p. 115.2) considera improvável que o Evangelho de Tomé seja um “excerto excêntrico” dos evangelhos canônicos, principalmente pelo fato destes últimos conterem diversos materiais narrativos dos quais não são encontrados sequer vestígios em Tomé.

Podemos acrescentar argumentos à tese: diversos ditos sapienciais atribuídos a Jesus em Tomé não encontram correspondência nos evangelhos canônicos nem em qualquer outro manuscrito bíblico.

Manuscritos do Evangelho de Tomé

Em dezembro de 1945, próximo a Nag Hammadi, no Egito, junto a uma coleção de manuscrito de uma comunidade com viés gnóstico, que ficou conhecida como A Biblioteca de Nag Hammadi (NH), foi encontrado um texto com sentenças de Jesus, em que “o autor” se identifica como Judas Tomé (ou dídimo, “o gêmeo”) no dito de abertura (Tomé também participa de maneira destacada em uma interação no dito 13).

Essa versão trata-se de uma cópia íntegra, em copta (transcrição adaptativa do egípcio falado para letras do alfabeto grego e outros símbolos), daquilo que viria a ficar conhecido como o Evangelho de Tomé. Após sua descoberta, esse manuscrito demoraria ainda décadas para ser conhecido e publicado.

Antes dela, 3 fragmentos da versão grega desse manuscrito já haviam sido encontradas na cidade de Oxirrinco (Oxyrhynchus), também no Egito, que dá nome a seus papiros, embora só após a descoberta do texto integral puderam ser integradas entre si e a ele:

A comparação das versões em grego e copta mostra que este manuscrito passou por alterações durante seu processo de transmissão.

Fragmento

  • Oxyrhynchus 5575 é um pequeno e danificado fragmento de papiro do séc. II, publicado em 2023, com trechos de Tomé e Lucas e ou Mateus.

Data de composição

A datação do Evangelho de Tomé é discutida. Vamos começar puxando o conteúdo introdutório dessa seção da Wikipedia Internacional:

Richard Valantasis (The Gospel of Thomas, 1997, p. 12) escreve:

Atribuir uma data ao Evangelho de Tomé é muito complexo porque é difícil saber exatamente a que data está sendo atribuída. Os estudiosos propuseram uma data tão antiga quanto 60 EC ou tão tardia quanto 140 EC, dependendo se o Evangelho de Tomé é identificado com o núcleo original de ditos, ou com o texto publicado pelo autor, ou com os textos gregos ou coptas, ou com paralelos em outra literatura.

Valantasis e outros estudiosos argumentam que é difícil datar Tomé porque, como uma coleção de logia [ditos] sem uma estrutura narrativa, os ditos individuais poderiam ter sido acrescentados a ele gradualmente ao longo do tempo. Valantasis data Tomé de 100 a 110 EC, sendo que parte do material certamente vem do primeiro estrato, que é datado de 30 a 60 EC. J. R. Porter data o Evangelho de Tomé em 250 d.C.

Os estudiosos geralmente se dividem em dois campos principais: um “campo inicial” que favorece uma data para o núcleo “antes do final do primeiro século”, anterior ou aproximadamente contemporâneo à composição dos evangelhos canônicos; e um “campo tardio” mais comum que favorece uma data no segundo século, após a composição dos evangelhos canônicos.

Wikipedia(EN) » Gospel of Thomas » Data de composição

O primeiro ponto é abandonar a ideia romântica de que um certo dia o discípulo Tomé (ou qualquer outra pessoa) pegou uma pena e escreveu ou ditou este documento tal como o conhecemos hoje. De que este sim é o registro fidedigno das palavras de Jesus.

Como Valantasis destacou, um evangelho de ditos “soltos” como Tomé pode ser facilmente manipulado com a adição posterior de sentenças, sendo difícil diferenciá-las do texto original. Crossan e outros autores consideram sua composição em estratos.

Nesta visão, podem haver argumentos válidos nos dois pontos da discussão – “inicial” e “tardio” –, como a abordagem de temas de Tomé no ev. de João, e mesmo do personagem em Jo 20.26-29 (campo inicial), e o uso de Lucas em determinados ditos (como o 31) em Tomé (campo tardio).

Autoria

Dito isto, a autoria do livro é muito mais plausivelmente atribuída a uma tradição ligada de alguma forma (factual ou mítica) ao discípulo Tomé do que a ele propriamente dito, de maneira análoga ao que ocorre nos evangelhos de Mateus e João (para nos determos nos escritos atribuídos a discípulos diretos de Jesus).

Traços gnósticos

A maioria dos outros livros relacionados a Jesus encontrados em Nag Hammadi tem um teor gnóstico, geralmente envolvendo uma cosmogonia, teologia e vocabulário mais complicados do que os presentes nos ensinamentos normalmente atribuídos a Jesus.

O Ev. de Tomé se diferencia desses manuscritos por não possuir esses elementos, salvo, de maneira menos complicada, em ditos como o 50 e sobretudo o 85, que Crossan não considera originais de Jesus (complexos 300 e 316) e DeConick (p. 10, 180 e 250) os considera acréscimos posteriores ao texto original.

Veja mais no texto Tomé e Gnosticismo (por Robert W. Funk e Roy W. Hoover).

Diferenças para os evangelhos canônicos

Este texto diferencia-se da tradição dos três evangelhos sinópticos em alguns aspectos importantes:

  • no fato de que não faz um esforço para narrar a vida de Jesus cronologicamente, estruturada, desde o momento da concepção (aqui esses evangelhos começam sua divinização messiânica). Limita-se a apresentar “suas” frases e discursos, o que poderia caracterizar uma composição muito menos “suspeita” do que a daqueles;
  • não tenta encaixar Jesus nos profetas do antigo Testamento, sobretudo em passagens mais ou menos messiânicas, como Mc 11.1-11 e dependentes em Mt e Lc em referência a Zacarias 9.9 e Sl 118.25-26. Essa passagem parece ter sido apenas um esforço do evangelista ou dos cristãos a fim de messianizar Jesus estabelecendo vínculos com o Antigo Testamento;
  • o Jesus de Tomé descola-se do AT e do Judaísmo. Já Paulo e outros autores do Novo Testamento canonizado fazem um esforço – como vimos acima – e conseguem reconectá-los (ou mantê-los conectados, se admitirmos que Jesus não teria, assim, destoado tanto da tradição judaica).

O reino dos céus

Enquanto a Fonte Q e o “evangelho de Paulo” (bem como a evolução cristológica desses textos encontrada em João) colocam a ênfase na expectativa da chegada do reino dos céus ou do Pai no futuro (que eles consideravam próximo, iminente), Tomé aponta na direção no reconhecimento do reino aqui e agora, dentro de nós (dito 3A) – ideia que aparece mesmo em Lucas – e também fora de nós: a compreensão de que é no interior que devemos buscar e que, em última instância, já estamos vivendo no reino de Deus.

Mais adiante, o dito 3 (e outras passagens do texto) prossegue apontando na direção do autoconhecimento.

Narrativa ou ditos

Enquanto os evangelhos canônicos apresentam ditos de Jesus contextualizados em narrativas estruturadas que compõem uma história, o Evangelho de Tomé limita-se a apresentar ditos de forma isolada e sem muita conexão entre eles, algumas vezes como resposta a perguntas de discípulos e até pequenos diálogos.

Há em Tomé tanto ditos coincidentes como não coincidentes com os dos evangelhos canônicos.

Não se encontram também em Tomé relatos de milagres e curas, nem da paixão e ressurreição.

Traduções do Evangelho de Tomé

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