Texto presente no livro Os cinco Evangelhos: O que Jesus realmente disse? A busca pelas palavras autênticas de Jesus, p. 500s.
O Evangelho de Tomé é frequentemente descrito como um evangelho gnóstico. Essa designação está correta? Para responder a essa pergunta, é necessário descrever o gnosticismo em sua forma madura totalmente desenvolvida, que ele alcançou no século II EC.
O gnosticismo foi um movimento religioso na antiguidade que se infiltrou em várias tradições religiosas, incluindo o Judaísmo e o Cristianismo. Fundamental para a perspectiva gnóstica era a convicção de que o mundo é mau. À medida que o gnosticismo amadureceu, ele se entregou a especulações elaboradas sobre uma variedade de problemas. Expressou sua convicção sobre o mundo em sua doutrina da criação: o mundo surgiu quando um demiurgo maligno ou deus criador, geralmente um anjo caído ou rebelde, se afastou do único Deus verdadeiro e criou o mundo, que é então entendido como o mundo privado do demiurgo, um produto de sua vã ambição.
No gnosticismo judaico, esse deus maligno e rebelde foi identificado com Yahweh [port. Jeová, Javé], o Deus criador do Gênesis. Os gnósticos judeus, portanto, leram o relato do Gênesis sobre a criação como se estivesse virado de cabeça para baixo: Yahweh era o criador maligno, ocultando a verdade sobre a criação de Adão e Eva. A serpente era considerada boa, como um agente do único Deus verdadeiro; a serpente tenta esclarecer os primeiros humanos sobre a realidade celestial que estava além da criação maligna de Yahweh. A serpente é, portanto, uma espécie de figura salvadora. As figuras de salvador desempenharam um papel proeminente na mitologia gnóstica: por meio de tais mensageiros de Deus — redentores que descendem à terra, alertam a humanidade sobre sua verdadeira condição e então retornam ao reino celestial — a salvação se torna possível para os gnósticos.
Os gnósticos acreditavam que não eram deste mundo, mas descendentes do único Deus verdadeiro. Eles se consideravam centelhas de luz divina aprisionadas pelo deus criador maligno no mundo material de sua criação. Seu objetivo — sua salvação — era escapar deste mundo e reascender ao reino celestial de sua origem.
No gnosticismo cristão, a figura do redentor descendente/ascendente era identificada com Cristo. Ele vem, como em outros sistemas gnósticos, para lembrar os gnósticos de sua verdadeira natureza, para despertá-los do esquecimento e contar-lhes sobre seu lar celestial. O Cristo compartilha com eles o conhecimento secreto — gnose — que é o meio pelo qual eles podem escapar do mundo do mal e retornar a Deus.
O Evangelho de Tomé reflete a perspectiva do movimento gnóstico em alguns aspectos. Jesus, por exemplo, fala como o redentor vindo de Deus. Ele lembra seus seguidores de seu esquecimento e diz a eles que eles precisam de iluminação (Tomé 28). Ele deprecia o mundo (Tomé 21.6; 27.1; 56.1-2; 80.1-2; 110; 111.3). Ele lembra as pessoas de sua origem (Tomé 49) e mostra a elas como escapar deste mundo (Tomé 50). Ele também fala de seu próprio retorno ao lugar de onde veio (Tomé 38).
Quase todas essas declarações poderiam ser feitas do Evangelho de João ou dos escritos teológicos do apóstolo Paulo. Consequentemente, não é fácil decidir se Tomé é realmente gnóstico ou se ele apenas compartilha algumas características do gnosticismo, muitas das quais também são encontradas no Cristianismo ortodoxo emergente.
Talvez seja melhor descrever Tomé como refletindo um gnosticismo incipiente. Afinal, há várias maneiras pelas quais Tomé não é de forma alguma gnóstico. Tomé não tem nenhuma doutrina da criação; não fornece nenhum relato da queda. Não contém nada sobre um deus criador maligno. Além disso, Tomé parece conhecer o Judaísmo em sua forma básica e ortodoxa. Além disso, muitos ditos encontrados em Tomé não são gnósticos: eles são paralelos próximos aos ditos encontrados nos evangelhos canônicos e, em alguns casos, os Fellows [Companheiros] do Jesus Seminar os consideraram versões anteriores de ditos e parábolas canônicos. Os ditos e parábolas que soam gnósticos são melhor descritos como tendo tendências gnósticas.
Tomé está enraizado na tradição da sabedoria judaica, como encontramos em Salmos e Provérbios. É um evangelho de sabedoria composto pelos ensinamentos de um sábio. Mas está se movendo na direção da especulação gnóstica, como encontramos em documentos gnósticos posteriores. Nesses aspectos, Tomé representa um estágio inicial na escrita e teologização do evangelho cristão, bastante comparável ao que encontramos no Novo Testamento, especialmente em Paulo e no Evangelho de João.
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