Aqui, exploramos a expansão de ditos de João Batista com relação a Marcos 1:1-14 feita em Lucas 3 e Mateus 3.
Como vimos na página sobre metanoia, essa palavra, por razões teológicas, é em geral traduzida por “arrependimento”, como é o caso desta fala de João Batista em Mt 3:8 (= Lc 3:8a), que as bíblias em geral, como as Almeida consultadas (ACF, ARC e ARA) traduzem: “Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento”.
Frutos de dignos de arrependimento? Isso não faz sentido: frutos que merecem arrependimento?
No texto grego, há o artigo tes (τῆς), “da” – nessa tradução ficaria do -, que se fosse transposto para o português começaria a torná-la mais clara: “Produzi, pois, frutos dignos do arrependimento”.
Ainda assim, o arrependimento como origem de frutos configura um meio existencial e psicológico bastante infeliz.
A palavra anterior, áxion (inflexão de ἄξιος) significa digno ou condizente ou em conformidade com.
Antes, a palavra karpon, fruto, está no singular (de καρπός), mas seu sentido é plural, pelo que tanto “frutos dignos” como “fruto digno” estão corretos.
Corrigindo a última palavra da frase, a tradução mais original seria: “Produzi, pois, frutos dignos da transformação” ou “dignos da mudança de mente”. A solução mais fiel talvez seria a transliteração mesmo da palavra: “dignos da metanoia”.
Uma alternativa que manteria a possibilidade de interpretação teológica sem perder o sentido original da palavra seria “dignos da conversão” – isso demonstra quão grande é o casamento da teologia com a palavra arrependimento, que alguns pregadores e igrejas tanto salientam e da qual dependem para submissão psicológica de seus fieis.
Essas traduções seriam mais adequadas, mesmo tomando-se em conta que essa passagem é a complementação de uma admoestação, conforme esses evangelhos, de tom escatológico à multidão (Lc 3:7) – Mateus em 3:7, talvez por motivos ideológicos, a dirige aos “fariseus e saduceus” – traduzida como “Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que está para vir?”.

Essa tradução se encaixa com o plano de Is 40:3-5 (que Lucas transcreve em 3:4-6), que esses evangelistas colocam a seguir a cargo de Jesus (Mt 3:11-12 e Lc 3:16-17). Mateus parece expandir esse relato, fundido ao sublime e potencialmente original de Jesus Mc 4:26-29, na parábola do joio e do trigo (13:24-30) e na sua explicação (13:36-43). Tomé 57 parece seguir Mateus.
O caminho de Jesus
A confusão da tradução de metanoia é clara.
Adiante, podemos especular: o que esse João de fato falou?
Em primeiro lugar, todos esses enunciados admoestadores, dramáticos e escatológicos atribuídos a ele estão absolutamente ausentes em Marcos, evangelho no qual seu discurso termina no v. 1:8 e sua participação em 1:14.
Talvez você se surpreenda que “da ira que está para vir” de Lc 3:7 e Mt 3:7 pode ser traduzida, sem prejuízo algum quanto à fidelidade literal, por “do chegado temperamento”, da nova índole, disposição e caráter que o batismo de metanoia provoca. É de se pensar como frases, como essa de João Batista, que estivessem dentro da tradição oral ou mesmo registradas em algum pergaminho, podem facilmente ter se encaixado em um contexto e sentido diverso a seu original, que concordasse com a teologia ou doutrina que o escritor ou escriba desejava transmitir.
Da mesma forma, pode-se argumentar que estamos vertendo o significado das palavras conforme a nossa teologia: esse nosso esforço não seria necessário se os ditos e atos de Jesus não tivessem sido cobertos por camadas teológicas e doutrinárias – encontrar o caminho de Jesus é justamente encontrar o Jesus, ou o espiritualmente válido, por trás desses invólucros.
Ao passo que é sabidamente ilusório pensar que a apresentação e interpretação cristã sobre Jesus presente nas bíblias condigam com sua pessoa, temos em conta que nossa interpretação tampouco é a única, mas talvez forneça informações para que cada um encontre o seu próprio caminho de Jesus.
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Osho lança luz para além da interpretação teológica convencional sobre as palavras de Jesus presentes neste documento, que permaneceu totalmente marginalizado pela Igreja, não obstante possua muitas passagens em comum com os evangelhos canônicos, como a própria parábola da semente de mostarda
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