A palavra daemon ou daímôn significa espírito ou divindade. Quer seja o Espírito (com E maiúsculo) – seu próprio ser, si mesmo ou “gênio pessoal”, como se referia Sócrates – quer seja espírito, manifestações individualizadas ou aspectos do Espírito.
Similarmente ao pensamento indiano, no grego esses espíritos (com e minúsculo) são personificações ou deidades das quais, embora possam ser apreciadas exteriormente (macrocosmo), tiramos maior aprendizado através de seu reconhecimento interno (microcosmo), como partes de nós mesmos.
Daemon (ou daímôn) era para o pensamento arcaico um gênio imortal que nos habita. Ele reuniria todas as virtudes, qualidades e conquistas luminosas realizadas por nossa psiquê ao longo de todas as suas existências passadas. Era, portanto, tudo aquilo de imortal que teríamos acumulado ao longo de nossas várias existências. Quanto estivesse pleno, a psiquê reconquistaria a imortalidade perdida. Era, também, a força espiritual que nos impele e exige a realização de nosso destino. Se não o fizéssemos, pagaríamos o alto preço de desviarmo-nos de nós mesmos. O resultado poderia ser a doença, a depressão ou a insatisfação com a vida como uma forma de protesto do daemon. Por outro lado, sua realização se traduzia em manifestação plena de nós mesmos através da expansão e evolução de nossos talentos e potenciais.
Mais ainda, o daemon não suporta a mentira e a falsificação do ser, enfurecendo-se e vingando-se. Seria o que hoje chamamos de “conduta autodestrutiva”, onde nossa lucidez é comprometida, podendo levar ao desvario, à doença e até mesmo à loucura.
E como sabemos se estamos seguindo-o? Simplesmente quando nossa vida se desenrola com paixão. E sentimos que a cada ano que passa evolui, tornando-nos cada vez mais plenos e verdadeiros, ou seja, sentimos que a “dívida” para conosco mesmo está sendo paga. No entanto, seguir o daemon não é seguro nem confortável, pois não é possível cumprir nosso destino sem riscos. Mas essa seria, para o pensamento arcaico, a única forma de alcançarmos a saúde férrea que tanto almejamos, e a isso denominam “saúde ética”, a única possível, pois se fundava na descoberta e na realização da verdade de cada um e na coragem de ser.
Viktor D. Salis, em A Arte de Viver, faixa 3, min. 7-10.
Sócrates, em seu discurso de defesa quando acusado de corromper os jovens com seus ensinamentos, em julgamento que lhe condenaria à morte, afirmou suspeitar que esta não deveria ser uma coisa ruim, já que esse daemon que o guiava pelo caminho correto não se opusera a ela:
“Aquela minha voz habitual do demônio (daemon, gênio) em todos os tempos passados me era sempre frequente e se opunha ainda mais nos pequeninos casos, cada vez que fosse para fazer alguma coisa que não estivesse muito bem. Ora, aconteceram-me essas coisas, que vós mesmos estais vendo e que, decerto, alguns julgariam e considerariam o extremo dos males; pois bem, o sinal do deus não se me opôs, nem esta manhã, ao sair de casa, nem quando vim aqui, ao tribunal, nem durante todo o discurso. Em todo este processo, não se opôs uma só vez, nem a um ato, nem a palavra alguma.”
Sócrates. Discurso reproduzido por Platão em Apologia de Sócrates, p. 26 (Parte XIX).
A palavra daemon originou demônio, no sentido atual. E é claro que estranhamos como um conceito de libertação e evolução tenha adquirido um significado associado ao mal. É que a Igreja passou a perseguir todos aqueles que cultivavam seu daemon. Porque tinham o mau costume de pensar por conta própria. A Igreja queria rebanhos, que não pensassem.
Passou então a Igreja a propalar que aqueles livres pensadores tinham parte com o demônio, ou seja, não davam lucro para a Igreja. E ainda por cima questionavam seus dogmas e fanatismos. Acima de tudo, não tolerava aqueles que manifestassem crença e vontade própria e que buscavam o divino em seu interior, o caminho de Hermes, e na expressão de sua alegria de viver e amar, o dionisíaco. Naturalmente, não indo à igreja não colaboravam com doações.
Viktor D. Salis, em A Arte de Viver, faixa 3, min. 12-13.
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