Vairagya: Desapego, desinteresse, indiferença
➡️ vi: sem
➡️ raga [rāga]: paixão, sentimento, emoção, interesse.
Gênero: neutro.
Vairagya significa desprendimento, desapego (“des-paixão”), desinteresse, indiferença ao que é do “mundo exterior”, impassibilidade.
“O fruto de vairagya [desapego] é bodha [a percepção de si mesmo]
o fruto de bodha é uparati [a parada, o aquietamento]
e o fruto de uparati é shanti [a paz interior], que descende ao experimentar sva–ananda [própria essência-êxtase suprema]
Se o último em cada um desses estiver ausente, o primeiro é inútil
A cessação da mente (ou do ser) [nivritti] é o mais elevado [parama] contentamento [tripti]
e a beatitude [ananda] de si mesmo(a) [ou espontânea] é incomparável [anupama]”
Adhyatma Upanishad, versos 28-29
Estamos encarnados ou vivendo neste plano de existência devido ao desejo. Desejamos a existência inter-relacional e a experiência dos sentidos.
A “parte” de nós que se apega aos seres e objetos é a mente. Enquanto vamos nos desidentificando com a mente, vairagya vai se instaurando natural e gradualmente.
Uma diferença entre puro amor e amor-apego é que no apego há mente, ego, há “alguém” que sente e ou que possui. No amor mais profundo, há um sentimento sem um “eu” para possuir ou amar, como se não fizesse diferença se você está ou não; não há diferença se é reciprocamente amado ou odiado. Neste caso, ao invés de amarmos passamos a ser amor.
Através do estudo teórico dos prasthanatrayi, da meditação e da autoinvestigação que leva ao autoconhecimento, realizamos que nossa verdadeira essência e natureza é o o ser ou si mesmo real, o atman. E que a natureza exterior a esse nosso Ser, com a qual nos relacionamos através dos corpos ou camadas que nos velam e seus respectivos sentidos e instrumentos, é o universo de maya manifestado e projetado de nomes e formas, pelo qual nos relacionamos e experimentamos os objetos dos sentidos desejados.
O caminho do yoga é o processo de retorno à nossa essência, da identificação de nosso ser ou alma com o Absoluto. A partir daí, a autoconsciência passa a ser a Consciência Cósmica, com sua onisciência, onipresença e onipotência.
Ao longo desse caminho, o ego e a mente tendem a voltar continuamente, apegados às experiências mundanas. Não se desespere, seja verdadeiro e quando, profundamente, a vontade de manifestar esse Si Mesmo for maior do que as vontades mundanas, o desapego acontecerá naturalmente.
Pratica-se em muitas escolas vairagya através do desapego, distanciamento e diminuição da exposição ao estímulo sensório que leva ao interesse pelos objetos dos sentidos, as atrações materiais, e outros seres. A ideia é não desejar assim coisa alguma estranha ou exterior a si, ao si mesmo real. Mas o ponto mais importante para o desenvolvimento de vairagya é a meditação que leva ao autoconhecimento ou reconhecimento desse nosso ser, além dos estudos citados. Ao conhecer o que é real, o transitório e evanescente naturalmente deixará de ser tão atraente.
“A subjugação da sede por objetos, vistos e ouvidos, é vairagya, o desapego.”
Yoga Sutras de Patanjali 1.15 – tradução de Swami Vivekananda
De vairagya a kaivalya
Paradoxalmente, para o estado de vairagya absoluto, não é imprescindível que se distancie e se desapegue de todos os prazeres terrenos, porém é necessário que se saiba discernir ou separar o conhecedor (Atman) do mecanismo de conhecimento sensório (a mente e seus sentidos) e do objeto de conhecimento.
O máximo vairagya ou estado de vairagya supremo é o estado de destacamento, ou seja, torna-se kaivalya. É um estado interno em que se percebe a distinção entre o ser e o mundo manifestado e até entre o Ser e a mente e o ego.
O ponto de percepção do destacamento pode ser o corpo causal – neste caso, nenhum aspecto do mundo fenomênico e do mundo mental importam, mas questões enraizadas no inconsciente profundo podem surgir. Ou este ponto pode ser o próprio Ser – aí, não há nada que realmente relacione-se ao mundo físico, e esse estado, ainda que temporário, pode ser chamado de samadhi.
O estado de vairagya pode ser atingido em meditação – sobretudo nas mentalmente silenciosas como a Atma-Vichara e a Hong-So do Kriya Yoga – por sadhakas com algum tempo de prática, seja de maneira eventual pelos menos desenvolvidos ou por aqueles que o atingiram sob efeito de um enteógeno, seja de maneira frequente (em meditação) pelos mais avançados.
Ainda, kaivalya pode se tornar um estado de percepção contínua, mesmo em vigília, em indivíduos autorrealizados, aqueles que atingiram o nirvikalpa samadhi.
Cabe observar que posteriormente, na autorrealização espiritual, até essa distinção clara entre o ser e o(s) mundo(s), entre o observador e o observado, se dissolve, ou seja, os próprios vairagya e kaivalya (e tudo o mais) perdem o sentido quando o ego se extingue completamente e a realização da Unidade se instala. Aqui, vairagya já está fora de questão e kaivalya ou Unidade, ou seja, diferenciação entre Saguna Brahman e Nirguna Brahman, sua equalização ou o estado de não-ser (nada ou nirvana) é somente uma questão de “enfoque”.
Estágios
Em um extremo está o homem muito egoísta, que ama somente a si mesmo e, no máximo, seus afetos e familiares mais próximos. Em outro está o Absoluto, Brahman, aquilo que podemos chamar de Deus, que está além do conceito de amor, o que faz o sol se levantar para todos. No meio, quase a totalidade da humanidade, com suas qualidades e defeitos, em graus variados de evolução rumo ao Divino. Em yoga, queremos realizar Deus e ser Uno com Ele, então paulatinamente devemos ir deixando as características que nos torna individuais e separados para herdar as características que nos torna unificados ao Todo.
Um dos pilares do yoga é vairagya, e quando aproxima-se da perfeição em vairagya, surge a renúncia. Renúncia às coisas mundanas em prol das espirituais. Não uma renúncia violenta, mas aquela que se dá quando a alma está preparada, almeja o mais sublime ou simplesmente se reconhece como à parte da criação manifestada. Ela então renuncia aos sentimentos inferiores. Todos os yogas necessitam de algum tipo de renúncia para a realização de sua meta suprema, cada qual com suas peculiaridades, sendo de modo geral renunciar ao princípio do ego, de separatividade, de alma individual que cuida de seus interesses para se atingir a Alma Suprema.
“Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á.”
Jesus, em Mateus 16:25
Conforme Jesus também ensina, quando o homem anda cuidadoso quanto a seus interesses e bens individuais e até mesmo quanto à sua própria vida, dificilmente chega ao reino dos céus.
Quando essa renúncia ao eu individual se inicia com o objetivo de experimentar o Todo, a pessoa tem uma capacidade maior de resignação – aceitação sem revolta dos sofrimentos da existência. Quando esta se desenvolve, passa a ser uma espécie de resignação divina, em que tanto em estados de sofrimento como de prazer físico, a pessoa segue indiferente e inalterada em seu estado de graça, com uma paz serena que transcende todo o entendimento. É o tapas perfeito.
Paradoxalmente, o caminho para se atingir a Unidade Suprema, destino que abarcará toda a coletividade, é em sua maior parte individual. Geralmente são necessários certo isolamento e quietude para pisar os degraus mais altos da escada espiritual, não descartando-se, evidentemente, o contato com professores, mestres ou até mesmo um guru autorrealizado que podem auxiliar de diversas maneiras na descoberta e abertura desse caminho; porém o cerne ou a parte mais importante da prática parte do indivíduo em busca da Totalidade.
“Como os rios que fluem nos seus leitos desaparecem no oceano, perdendo seus nomes e formas, assim o homem sábio, liberto do nome e da forma, alcança o Ser Supremo, o Purusha, o Infinito, o Luminoso”.
Mundaka Upanishad 3.2.8, traduzido por Carlos Alberto Tinôco em As Upanishads
Renuncias difíceis
Quando seus desejos estiverem voltados para os sentidos, muitos mestres, como Osho e até mesmo Vivekananda, às vezes aconselham a de fato mergulhar no mundo e desfrutar e sofrer tudo que há nele. Após um tempo, virá a renúncia e a serenidade. Aí há muito do caminho da Karma Yoga: desde que é muito difícil se destacar do mundo, usemos o mundo como um professor ou uma academia para exercitarmos nosso inegoísmo (não-egoísmo, neologismo proposto pela Ed. Vedanta).
Quando nos espiritualizamos começamos a sentir cada vez menos prazer nos sentidos grosseiros, e mais prazeres nos sentidos sutis. E espiritualizar-se significa diminuir nosso sentido de “eu e meu”, que causa toda a infelicidade – pois com o senso de posse vem o egoísmo e o egoísmo gera, cedo ou tarde, infelicidade -, e aumentar o sentido de “o Todo e nosso”.
O desapego é a base de todos os yogas
Vairagya no Bhakti Yoga
Vairagya no Karma Yoga
💮 Renúncia ao reconhecimento do karma iogue
“Portanto executa sempre sem apego o ato a ser cumprido, pois o homem (purusha) que executa ações sem apego alcança o Supremo.”
Bhagavad Gita 3.19 – Tradução de Georg Feuerstein
O desapego é salutar mesmo para quem não busca a liberação
Vairagya é fundamental no yoga rumo à liberação do ciclo de nascimentos e mortes (moksha). Mas mesmo que a pessoa deseje desfrutar a existência humana por mais algumas vidas antes de voltar para casa, para seu Ser, algum nível de desapego é muito salutar.
Quanto maior for o apego do homem às coisas materiais, bens, nome, honras, entes queridos, amores, etc. mais profunda será a noite quando ele tiver que deixá-los ao final de cada vida. O homem comum com apego excessivo a tudo isso pode padecer de muito sofrimento no momento de deixar momentaneamente este mundo, durante sua transmigração.
E todas essas coisas não são mais do que empecilhos para que ele perceba sua natureza divina.
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