Atman (ātman) [atma] – o ser

A palavra sânscrita atman etimologicamente vem de respiração, espírito e aquele que respira, e significa o ser em essência, o princípio vital, aquilo que anima a matéria. Podemos definir atman como nosso verdadeiro ser, nosso eu real ou “si mesmo”, o que realmente somos, o que quer que isto venha a significar – este é um significado universal, ou seja, sempre aplicável.

Assim, entre os significados possíveis de atman estão “alma”, bem como a vida ou “sopro vital”. Pode referir-se também ao eu, inclusive como “auto”, “eu/mim mesmo” ou “si mesmo” (aqui na sua função gramatical reflexiva, não o conceito psicológico self de Jung), e mesmo como “mente”.

Evolução do conceito atman

A expansão do significado básico desta palavra tem a ver com a própria evolução e diversidade do entendimento do que vem a ser o ser humano, dentro da tradições hindus, refletidos em seus antigos manuscritos.

Desde o mais antigo Veda, o Rig Veda, passando pelo Atharva Veda, esta palavra já denominava basicamente alma, vida, remetendo à alma individual.

Na parte final dos Vedas, as Upanishads, a definição de atman ou do homem, do si mesmo, ganha aspectos cósmicos. O atman é então entendido e descrito como ilimitado, além da mente, do tempo e do espaço.

Atman é o ser, o eu real, a essência. E pode ser também a totalidade da existência.

Podemos dizer que atman é o verdadeiro si mesmo, a alma, mas estes não no sentido que a Psicologia às vezes lhes designa, como mente, nem ainda como corpo astral. A alma está além a mente, que vem a ser uma expressão da alma, não sua totalidade.

O que sentimos existencialmente – e a Psicologia define – como eu é o próprio atman coberto do sentido de eu.

Espiral toda em pinceladas brancas em fundo azul bem escuro, quase preto. Dentro da espiral a progressão das cores do espectro, partindo da mais externa: rosa, azul marinho, azul claro, verde, amarelo, laranja, vermelho, no centro volta a ficar o tom azul bem escuro do fundo e bem no centro uma estrela como o sol, em branco com raios azulados, que simboliza a consciência
© arte própria chela. Fundo © pikist.com

Significando “si mesmo” ou “alma”, a palavra atman pode ser usada, tal como suas correspondências em português, tanto para designar a alma individual (jiva ou jivatman) como a alma no sentido cósmico, a alma suprema ou paramatman, conforme interpretado pelo Vedanta Darshan, sendo identificada com brahman.

Sendo divino (algo como uma “centelha divina”) ou o próprio “Deus” (como Existência ou Todo, não o Deus personificado que aprendemos nas religiões), o certo é que atman é o “senhor“, o amo da vida, a realidade que reside no interior de todos os seres, a consciência ou no sânscrito chit – consciência ou a Consciência Una – atman transcende o ego.

Por esse motivo, ahimsa, a não-violência, é um dos pilares de conduta hindu. Há de se pensar em todos os seres como seu próprio ser.

Significado existencial de atman

Agora bem, o que vem a ser “o si mesmo”, o que somos nós? O conceito de alma, que se confunde com o de espírito, às vezes parece inadequado para expressar a experiência existencial do si mesmo.

Os rishis ou sábios das Upanishads definiram atman ou brahman como sachchidananda: sat (existência), chit (consciência) e ananda (beatitude).

Em outras palavras, quando o ser humano experimenta a si mesmo, além da mente, segundo eles o que melhor o qualifica é “existência”, “consciência” e ou “beatitude”.

É possível que a “alma individual” seja parte da ilusão ou mesmo não exista. Mas existe esta Existência que é o que nós somos. A totalidade existe – e existe a nossa manifestação individual, seja pela mente ou pela alma.

Dualidade e não-dualidade

Mais do que o conceito de atman, a própria experiência espiritual de cada um de nós irá defrontar-se com dois tipos básicos de sistema, o dualista (dvaita, como é a maior parte das religiões populares mundiais e mesmo indianas: existem eu e Deus; e o próprio pensamento materialista: existem eu e o mundo) e o não-dualista, como o Advaita Vedanta.

A dualidade ou não-dualidade a que nos referimos aqui é aquela entre a “alma” e o Todo, o Absoluto, a Existência, brahman.

“Descarte a ligação com o corpo, compreendendo que eu estou em todo lugar. Aquele que está em todo lugar é jubiloso.”

Vijnana Bhairava Tantra meditação 79 (transcrito por Paul Reps e traduzido por Albecy Cavalari e Rafael Blanco em A Carne e os Ossos do Zen, p. 231)

Não-dualismo quer dizer não há dois ou tudo é um. Neste caso, a expressão “alma individual” é apenas ilusória, só podemos considerar a alma como cósmica, total. Uma leitura não-dual das Upanishads afirma que atman é brahman.

Ora, se não há dois, “alma” passa a não ser mais uma definição tão boa para atman. Atman converte-se no Eterno, brahman, o Grande Espírito dos nativos Dacota ou Yuxin dos Kaxinawá. O argumento existencial mais forte para esta possibilidade é que, ao diluirmos nossa identificação com o corpo e mesmo nosso eu, não encontramos barreiras ou limites para a nossa existência, experimentamos ou somos a Totalidade espiritual.

Já para as religiões e filosofias dualistas, atman seria diferente de brahman ou, em outras palavras, atman, aqui a alma – embora possa apurar-se imensamente e até mesmo ser eterna – permanece diferente do Absoluto ou de Deus. É importante lembrar que aqui, também, a alma não é a mente.

Jyoti - luz essencial
Jyoti – luz essencial © Pikist (editada)

O Samkhya darshana faz uma interessante descrição da evolução do ser (ou mesmo do Universo inteiro). Nela, o espírito, que é chamado purusha, está de certa forma apartado do Universo natural ou Prakriti, mas este corresponde à própria evolução do primeiro, digamos, “em fases”. Sua primeira manifestação já na natureza é como intelecto, seguida pelo “sentido de eu” e pela mente sensorial. Curiosamente, embora o sentido de eu, que confere individualidade, seja posterior ao purusha, o Samkhya mantém-se dualista, afirmando a “pluralidades de purushas” no verso 8 do Samkhya Karika. Mas fica fácil perceber como o Vedanta desenvolveu esta ideia até o purusha ou atman cósmico, não-dual.

Somente o ser, o si mesmo, é a realidade. O mundo e tudo mais não o são. O ser realizado não vê o mundo como diferente de si mesmo.

Ramana Maharshi, em Questionário para a iluminação (Diálogos)

Experiências de unidade

O canal Afinal, o que somos nós? se dedica a entrevistar pessoas que passaram por EQMs e publicar seus relatos. Neles, inúmeras vezes nos deparamos com relatos de pessoas que, fora ou além da consciência do corpo, tiveram a experiência de unidade, totalidade ou conexão com toda a Existência, como no caso do Rubem (a p. minuto 17:30), do Lomar (14:40 “a vida era uma só entidade viva”) e do Mellen-Thomas Benedict (13:00).

Mais sobre o atman

Atman é todo-permeante no ser-humano ou mesmo no Universo. Para as Upanishads, sua morada principal no nosso corpo é no coração, na região do chakra anahata, no centro do peito. A mesma visão pode ser encontrada em textos do Tao e da Medicina Tradicional Chinesa, que afirmam que o coração abriga o espírito, chamado de shen.

Talvez você ainda não tenha ouvido falar muito de Ramana Maharshi, mas ele foi um daqueles seres plenamente realizados (do nível de Jesus e Buda mesmo) que andaram por este mundo. Ele deixou uma técnica que nos auxilia a investigar e inquirir quem realmente somos: atma-vichara ou autoinvestigação.

Quando descascamos uma cebola, encontramos diversas cascas e não chegamos nunca ao miolo. Da mesma forma, quando analisamos o eu este desaparece completamente. O que sobra por último é o atman, a consciência absoluta (chit). Deus só aparece quando o eu morre.

RamakrishnaRevista Planeta Especial Ramakrishna de fev/1975

Somos seres espirituais

O materialismo está errado, incompleto. Nós existimos como seres, anímicos, não somos meramente “coisas” ou máquinas feitas de cérebros e corpos.

O desdobramento natural de que a alma, Existência, consciência – chamemo-na como for – é ou está no mais íntimo de nosso ser é que percebemos que ela também está no outro, nas outras pessoas, animais, plantasvocê existe, o outro existe.

Jnana-Yoga (Swami Vivekananda)

Aprofundando-se

Se você chegou até aqui, gostaríamos de lhe fazer um convite: aprofunde-se no conhecimento deste si mesmo lendo o capítulo 2, A verdadeira natureza do homem, do magnífico livro de Vivekananda, Jnana Yoga.

Na verdade, se você busca autoconhecimento, as chances são que você não vai querer ficar somente neste capítulo.

Vídeo

  • Youtube Atman não é alma e Brahman não é Deus: neste vídeo, o Prof. Roberto de Andrade Martins, do site e canal Shri Yoga Devi, ensina mais sobre os conceitos hindus de atman e brahman e suas diferenças para o que normalmente se considera “alma” e “Deus” no Ocidente. Ele nos explica também as origens da confusão de termos, que se iniciou no seu processo de tradução e ocidentalização.

Pesquise aqui referências a Atman no site.

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