Considerando-se de uma forma geral, a maior parte das pessoas é boa. O pecado é, em termos práticos, o meio pelo qual as igrejas imputam culpa às pessoas, especialmente no que se refere ao sexo, e desse modo podem, pelo medo, as dominar.
Quantos são os homicidas de uma sociedade, 1%? Os ladrões, 5, 10%, se tanto?
Considerando que de fato uma porcentagem ainda menor desses frequenta as igrejas, o sexo se torna a única forma que o sacerdote tem para infundir em seu público o sentimento de culpa.
A palavra grega que viria a ser traduzida ou mesmo significar pecado no Novo Testamento Cristão é hamartía (ἁμαρτία), que significava inicialmente “erro“, “falta“, “falha“, “engano“, do verbo hamartáno (ἁμαρτάνω), “errar”, “errar ou não acertar o alvo”, especialmente por uma lança ou dardo arremessado, procedendo, segundo Pagels (p. 125.5), do esporte de arco-e-flecha.
Sabemos que o uso da palavra faz o seu significado, mas essa raiz etimológica, originaria, de hamartía, é muito mais fiel ao que de fato, existencialmente, ela pode denotar. Não existe pecado; existem erros.
Pode-se dizer que o significado “puro” de hamartía é erro; o de “pecar” é “errar”.
Mesmo no Novo Testamento, o significado doutrinário ou teológico de hamartía transformou-se em “pecado”, herdado do hebraico e do Antigo Testamento, o que imputa uma consequência espiritual ao erro, que dependendo das circunstâncias e do não-arrependimento (outra palavra muito mal interpretada, aliás) poderia resultar mesmo na condenação da alma do pecador. Esse sentido gera uma culpa na mente humana; pior, uma culpa perante Deus.
O conceito de “pecado”, tal como o temos, só poderia existir se houvesse um Deus antropomorfizado (criado à nossa imagem e semelhança) que estivesse fazendo conta dessas nossas faltas – o que não existe. Não estamos dizendo que não existam erros, erros graves, crimes, claro que existem, mas a palavra pecado nos imprime semanticamente um sentido muitíssimo enganoso a eles.
Toda a sociedade continua propondo: isto é certo e isto é errado. Mas a sociedade pode impedir que você faça o que chamam de errado? O problema é que, seja lá o que chamam de errado, é em sua maior parte natural – isso atrai você. É errado, mas é natural, então a profunda atração para o natural acontece. Eles têm de criar medo suficiente para que esse medo fique mais forte do que a atração natural. Por isso o inferno teve de ser inventando.
Osho, em Iluminações da Alma (Passagem 90)
Considerar-se pecador é identificar-se com o pecado
Considerar-se pecador é, para início de conversa, antinatural. Isso reflete a desconexão do Cristianismo e das religiões de uma forma geral com a natureza, tanto com a exterior como com nossa natureza interna. Não há pecado na natureza.
Somos seres passíveis de erros, que erram, falíveis. E o erro é muito diferente da concepção teológica do pecado. Consideramo-nos “pecadores” porque nos identificamos com o ego e seus erros segundo suas ideologias religiosas – e isso tudo está apenas em nossa periferia. Não somos nada isso. Nosso ser real (inclusive o dos maiores criminosos), nossa essência, além do corpo, da mente, é divino.
O autoconhecimento passa por livrarmo-nos dessas ideologias, dessas limitações criadas pela mente.
Teologia do pecado
Desde os mais remotos tempos, sacerdotes e igrejas têm desenvolvido sua teologia e atividade em torno do pecado.
Uma prática comum das classes sacerdotais dos mais diversos povos antigos era o sacrifício animal (em alguns casos até humano) pelos pecados do povo.
A teologia cristã se desenvolveu a partir dessa prática arcaica de holocausto sacrificial dentro do Judaísmo: Cristo teria sido oferecido como vítima para nos livrar ou salvar do pecado.
Se não há pecado, cedo ou tarde, o cristianismo perde o sentido.
Talvez por isso todos os domingos prega-se a mesma mensagem de que somos pecadores, indignos, etc. e figuras como Tomás de Aquino tenham levado esses conceitos ao extremo.
A grande pretensão e erro dos sacerdotes é falar em nome de Deus.
O pecado é uma técnica das pseudorreligiões. A verdadeira religião não tem necessidade nenhuma de conceitos. A pseudorreligião não pode viver sem o conceito de pecado, porque o pecado é a técnica de criar culpa nas pessoas.
Você terá que entender toda a estratégia do pecado e da culpa. A menos que faça uma pessoa se sentir culpada, você não pode escravizá-la psicologicamente. É impossível prendê-la numa certa ideologia, num certo sistema de crenças. Mas, depois que incutiu a culpa na mente dela, você tomou toda a coragem que ela tem, destruiu tudo o que havia de aventureiro nela – você reprimiu toda possibilidade de ela um dia ser um indivíduo com direito próprio. Com a ideia de culpa, você quase assassinou o potencial humano dela. Ela pode nunca mais ser independente. A culpa vai forçá-la a se tornar dependente de um messias, de um ensino religioso, de Deus, dos conceitos de céu e inferno, do pacote todo.
Para criar culpa, tudo o que você precisa é uma coisa muito simples: começar a chamar as faltas de erros, de pecados.
Osho, em Iluminações da Alma (Passagem 87)
O papel psicológico de um redentor dos pecados
A crença na figura de um salvador, de um libertador de nossos pecados passados, como Jesus Cristo no Cristianismo, pode eventualmente ajudar a nos desidentificarmos de nossos erros passados, especialmente quando eles são grandes e acompanhados de culpas ou remorsos (justificáveis ou induzidos).
Conforme a teologia cristã, na aceitação do Cristo, nasce nova criatura, as coisas velhas já passaram (cf. Paulo em 2Co 5.17), Deus não tem em conta os tempos da ignorância (At 17.30).
Isso pode de fato levar um verdadeiro criminoso a se desvencilhar de seu passado, deixá-lo para traz ao se desidentificar com ele, e causar uma verdadeira transformação pessoal.
Não vamos entrar aqui no mérito que, para a grande maioria das pessoas, foi a própria moralidade da religião estabelecida que imputou “pecados” às suas consciências, os quais ela pretende agora libertar.
A figura do salvador é um subterfúgio psicológico que o ajuda a se desvincular de seus erros passados que, embora seja ilusório, pode funcionar. O ponto negativo é que isso causa também uma dependência psicológica dessa figura ou, pior, de igrejas ou ministros que muitas vezes, por ignorância ou ganância, exercem influência ou poder nocivos sobre esse indivíduo.
Agora a questão pela qual entramos no tema é: mesmo sendo o pior dos criminosos ou, melhor dito, tendo os piores crimes em sua história pessoal, você não é eles, em essência você é divina, você é divino, e está em seu poder, agora, realizar essa divinidade, esse potencial humano que os cristãos imputam a seu Jesus Cristo, os budistas a seu Buda e os hare krishnas a seu Krishna.
Em essência, nada te diferencia de um Jesus, um Buda ou um Krishna. O que o impede de realizar esse potencial são as limitações que você mesmo se impõe, entre elas, a sombra do pecado.
Então é existencialmente, espiritualmente válido, e até mesmo recomendável, se desvincular de seus erros (e acertos, mas isso pode ser percebido em outra parte), libertar-se, perdoar-se, da mesma forma que a conversão ao cristianismo faz, no entanto agora não considerando-se em absoluto um pecador (como o Cristianismo costuma fazer, de uma forma um tanto irônica ou esquizofrênica), mas simplesmente desapegando-se de seus erros (que todos nós fizemos e fazemos), pois você é não é a sua mente e suas memórias, você é a testemunha que em última instância é una com a Existência, com Deus.
A individualidade é uma das primeiras ilusões. A partir dela muitas outras se desenvolvem.
Mais do que uma atividade intelectual, isso é uma prática existencial. A compreensão intelectual é um pequeno passo, mas que não pode te convencer por si só, até que você perceba tudo isso por si mesmo ou si mesma. Nisto, a meditação pode ser de grande ajuda.
Isto que estamos fazendo aqui só é chocante para alguns porque nos encucaram desde a infância que a Bíblia é a palavra de Deus e que devemos lê-la com essa perspectiva e reverência – o que está apenas na mente e é ilusório.
“Sejais meus imitadores”
O maior responsável por trazer a teologia do pecado do Antigo Testamento para o novo foi Paulo de Tarso, autor de pelo menos sete epístolas canonizadas como escrituras e influenciador de ao menos sete outras e dos quatro evangelhos.
Paulo convida todos a o imitarem (1Co 4.16 e 11.1) e a consequência disso é catastrófica para o ser humano; isso é exatamente o que estamos fazendo no Ocidente há dois mil anos! O apóstolo estava psicologicamente dividido, cindido, como expressa com todas as letras em Rm 7.14-25. Para ele, a carne e o desejo dela eram o pecado, e o seu Cristo Jesus o livrou (8.1-4), ou melhor, condenou a ele e todos seus imitadores a mortificarem seus corpos (8.12-13) e, como não podem, na prática, separar-se deles em vida, a viverem uma existência de conflito interno similar à sua. (veja mais em Carne ou espírito)
Depois disso, não precisa-se dizer mais nada. Tomás de Aquino e seus correspondentes históricos e modernos são apenas consequência.
A reinvenção do ser humano e suas religiões
Tratamos n’outra parte sobre a necessidade de religião.
Religiões tradicionais estão perdendo adeptos para novas igrejas que trocam o discurso do pecado pelo encorajamento e autoajuda.
Da sinopse de Sociedade do cansaço, de Byung-Chul Han
Existe apenas um pecado: a inconsciência (por Osho)
Existe apenas um pecado: a inconsciência. E você está sendo castigado a todo instante por causa disso – não existe nenhum outro castigo.
Quer mais? Seu sofrimento, sua infelicidade, sua ansiedade, sua angústia – e você ainda está esperando ser jogado no inferno? Não está satisfeito com todo o sofrimento que já está vivendo? Não acha que o inferno vai ser melhor do que o lugar onde você já está? Que outro castigo pode existir ainda?
Cada momento de inconsciência carrega seu próprio castigo e cada momento de consciência, sua própria recompensa. São partes intrínsecas, você não pode dividi-los.
Osho, em Iluminações da Alma (Passagem 89)
Veja também
- Suma Teológica (Tomás de Aquino) [ou Tratado sobre o pecado] – resenha crítica
- Evangelho de Paulo
- “Nos casaremos pois estamos em pecado” (por Humberto Matos)
Pesquise aqui referências a Pecado no site.
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