“Comentário revelador dos ensinamentos originais de Jesus”
28 de maio de 2025
Título original: The second coming of Christ: the resurrection of the Christ within you – A revelatory commentary on the original teachings of Jesus (2004)
Editora Self-Realization Fellowship (SRF)
Vol I: 654 págs (1ª edição em português – 2015 (2017))
Vol II: 626 págs. Vol III: 583 págs.
A segunda vinda de Cristo é uma coleção de escritos e palestras de Paramahansa Yogananda (1893-1952) sobre Jesus e os quatro evangelhos canônicos, recolhidos e organizados postumamente que, na versão brasileira, totalizam cerca de 1.800 páginas, divididas em três volumes. (ver mais na Wikipedia)
A Yoga de Jesus (Amazon / Omnisciência, 156 págs.) é uma compilação de alguns dos pontos principais apresentados por Yogananda nesses três volumes.

Como é comum nos livros impressos da SRF, a qualidade do material utilizado (folhas, impressão e encadernação) é impecável, contando inclusive com folhas lisas especiais que permitiram a reprodução vívida de ilustrações (desenhos e pinturas) ao longo de cada volume (no primeiro, são em número de 11).
Formato e época
Antes de iniciarmos a crítica a respeito desses livros, é necessário fazermos algumas ressalvas e reflexões.
A primeira é sobre como eles foram escritos. Seu material é proveniente de três fontes principais: palestras públicas e aulas (registradas estenograficamente por sua discípula Sri Daya Mata) somaram-se a artigos de Yogananda publicados em sua própria revista East-West/Inner Culture [Oriente-Ocidente / Cultura interior] a respeito de Jesus e de trechos dos evangelhos canônicos.
Ao contrário do que acontece quando um autor escreve um livro com o propósito de fazê-lo, ou quando ele mesmo recompila seus próprios trabalhos para publicar nesse formato, o material de A segunda vinda de Cristo não pôde passar pelo processo apurador de ser submetido à leitura prévia crítica de pares, que usualmente detectam pontos de melhoria e revisão que só ele, o autor original, pode lapidar, incorporar ou descartar conscientemente no seu trabalho.
É de se esperar que após ou durante essas palestras e aulas e depois da publicação de artigos, dúvidas e críticas eram direcionadas a Yogananda, mas não temos como saber até que ponto esse material, também usualmente recebido por correspondência, foi considerado e incorporado a materiais seguintes a ponto de deixar claro aos compiladores póstumos da obra sua intenção de alterar algo, coisa que somente ele mesmo estaria apto a fazer, o que poderia dar uma retoque editorial final importante.
A segunda, e mais importante, é a época de sua composição. Na primeira metade do século XX, embora a crítica textual bíblica já existisse, não era amplamente difundida e conhecida, e muitos dos seus mais valiosos achados em termos da investigação dos evangelhos e da figura e palavras de Jesus ainda estavam por vir.
Como consequência, o iogue indiano debruçou-se sobre os evangelhos como se fossem relatos fieis ou suficientemente precisos da trajetória e ensinamentos de Jesus, o que o fez inevitavelmente entrar em passagens claramente inventadas pelos evangelistas, não-históricas, ou a utilizar textos provenientes de uma cristologia mais avançada dentro do séc. I (como vemos nos ev. de Lucas e Mateus), em detrimento de uma fonte mais simples e mais histórica (Marcos), para não falar do uso de textos do ev. de João (a saber, o menos histórico).
De alguma forma, como veremos adiante, muitas vezes a utilização por Yogananda de textos que relatam um Jesus por demais divinizado se justifica pelo comentário: ainda que esses evangelistas tenham exagerado o Jesus real para torná-lo o Jesus Cristo divino, quando os lemos pela ótica do autoconhecimento, o relato evangélico, ainda que não-histórico, fornece versículos que podem suscitar insights e comentários valiosos. Um exemplo disso é “Eu e o Pai somos um” (Jo 10.30): o evangelista de João aumentou a figura de Jesus a tal grau que se a substituirmos pela nossa, pela de qualquer ser humano, expressa verdades existenciais interessantes (neste caso, a não-dualidade).
Se Yogananda tivesse acesso às informações científicas e aos comentários e avaliações críticas a respeito das passagens evangélicas que temos hoje, é de se imaginar que seu próprio comentário seria enriquecido por eles. Mas também é provável que se mantivesse apoiado nos mesmos versículos, pois eles são reveladores da alma humana, bem como conservasse a maior parte do que escreveu.
Outro aspecto importante da contextualização histórica da obra é que Yogananda, um indiano hindu, estava nos Estados Unidos, falando para um público que na primeira metade do século passado era, mais do que hoje, majoritariamente cristão e tentando demonstrar a unidade subjacente a essas religiões.
Consciência
Então ele adaptou muito do seu discurso à teologia cristã ou à sua terminologia, como a Trindade: Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Por exemplo, ao citar kutastha chaitanya, literalmente a consciência imóvel ou imutável, Yogananda diz que ela pode ser chamada também de “Consciência Crística” ou “Consciência de Krishna”. Talvez concessões para não ferir suscetibilidades, esses termos substitutivos mais confundem do que elucidam a sua real natureza. Uma vez que para os ocidentais a palavra “cristo” está inexoravelmente associada à figura de Jesus, falar do descobrimento ou do reconhecimento da “consciência crística” traz um fundo cristão a algo que é existencial, experiencial, e não cristão ou hindu (no caso de se associar à figura humana de Krishna), que é simplesmente a consciência pura.
Para complicar um pouco mais as coisas, como Yogananda parecia predominantemente um devoto ou bhakta, embora ele descreva a manifestação cósmica de maneira contínua ou até não-dual (como a “Consciência Crística” sendo reflexo da “Consciência Cósmica de Deus-Pai” e “percebidas como uma e a mesma”, novamente citando Jo 10:30), em diversas passagens ele preserva, à sua maneira piedosa, a figura de Deus como se estivesse separada do ser (é claro que longe do conceito clássico ou cristão de Deus pessoal) – isto não só aqui, mas em toda a sua obra, ao falar por exemplo em “agradar a Deus”, o que traz a impressão de que talvez ele não tenha se desidentificando do próprio ego.
Expectativa e certa decepção
Dito isto, a primeira coisa que temos que falar sobre A segunda vinda de Cristo é que a obra é um tanto decepcionante, principalmente por conta de quem é o seu autor, Yogananda, o que criou naturalmente uma grande expectativa, já que entre suas outras criações está um dos melhores e mais inspiradores livros sobre espiritualidade, a Autobiografia de um iogue, e sua tradução e comentários do Bhagavad Gita, presentes integralmente em Deus fala com Arjuna, estão entre os mais elucidativos e preciosos. Apreciamos também O Romance com Deus e A Eterna Busca do Homem.
Por isso, criticar Yogananda é quase como cuspir no prato que comemos.
Mas por que decepcionante?
Nesses outros livros, além do seu rico material, Yogananda havia trazido insights interessantíssimos sobre alguns dos símbolos interiores usados no livro do Apocalipse. Se aquilo servia de amostra, o que estaria por vir seria realmente genial. Este seria uma mina de ouro para descobrirmos e descrevermos o caminho de Jesus.
Mas, infelizmente, muito dos comentários do iogue indiano nesta obra são um tanto enfadonhos, sobretudo quando carregam alguns aspectos de sua visão de mundo, como um certo moralismo repressor, o que o levou muitas vezes a escolher passagens carregadas com esse sentido, mais de Paulo do que de Jesus.
Se você procura insights valiosos sobre parábolas e ensinamentos do Jesus real, talvez os encontre mais, paralela ou explicitamente, em Eckhart Tolle e Osho do que em Yogananda. Neste você encontrará, além dos conceitos ióguicos que veremos abaixo, alguns significados interiores e símbolos do homem, não necessariamente originários de Jesus, mas do gênero humano, infelizmente muitas vezes carregados de “moralidade religiosa”, incorporada aos evangelhos a partir de Paulo.
Reino interior e yoga
Não obstante, a proposta principal do livro, a segunda vinda de Cristo sendo a manifestação de nosso “cristo” interior, é válida.
O reino de Deus não é algo externo; está dentro de nós (Lc 17:21), e Yogananda apresenta uma das formas que ele pode se realizado, através da prática do yoga, mais especificamente do Kriya Yoga de sua linhagem, que envolve princípios originalmente tântricos, como chakras e kundalini, os quais ao serem despertos culminam na ativação completa do olho espiritual (entre as sobrancelhas), que por sua vez é a “porta do céu” ou do “reino dos céus”, pela qual esse reino pode ser percebido.
Yogananda vai introduzindo ao longo de seus comentários os princípios do yoga e da “anatomia sutil” do ser humano segundo esse sistema. Em nossa opinião, esses princípios encontram lugar mais próprio em Deus fala com Arjuna, seu brilhante comentário do Bhagavad Gita. Se é verdade que termos lido essa obra previamente é um dos motivos do material da segunda vinda ter-nos soado repetitivo, também o é o fato de que Jesus e os evangelhos não são a única fonte de conhecimento espiritual. Sendo mais claros, se uma visão ióguica das palavras de Jesus podem fazer o leitor “abrir a mente”, quanto mais o faria o descobrimento de um manuscrito tão rico e totalmente alienígena para o universo cristão como é o Gita.
Centenas de páginas por centenas de páginas, o comentário do Gita nos parece mais proveitoso, mas se você não está disposta ou disposto a lê-lo, a leitura de A segunda vinda de Cristo servirá para absorver indiretamente alguns conhecimentos de tradições importantes como o yoga e o vedanta.
Para citar alguns exemplos de temas explanados por Yogananda:
- a relação guru-discípulo e sobre iniciação (cap. 6),
- kundalini (como na p. 283p, aproveitando o termo “serpente” de Jo 3:14),
- karma (como no comentário de Jo 5:14, p. 383u-384.3, ou de Mt 7:1-5, p. 589.1-2 e 595us – a crítica é interior e condena seu próprio autor)
- prakriti (universo manifestado)
- e maya (p. 156.3-157.1), dividindo-a – na nossa opinião equivocadamente (que se segue nas p. 157-158) -, de maneira maniqueísta, em Espírito Santo e Satanás para encaixá-las na visão judaico-cristã.
Ele também apresenta descrições dos mundos astrais (como nas p. 225.3-.227.3), que explica visões presentes no Apocalipse (ex. Ap 21:21), um livro que possui percepções intuitivas da alma revestidas de metáforas (p. 261.1f).
O poder do comentário
Os comentários, sobretudo de textos difíceis ou que tenham alguma profundidade, têm um poder intrínseco, que é o de nos fazer parar, meditar sobre a passagem, ao contrário do que costumamos fazer quando a lemos de forma contínua.
“Tu bebes do mesmo cálice que eu”
A crítica deste trabalho de Yogananda começa pela escolha das passagens de Jesus que ele decidiu comentar.
Ao tentar abarcar de forma completa a vida de Jesus, ele e os organizadores iniciam sua obra tomando-a de forma cronológica.

No cap. 1 do primeiro volume, o discípulo de Sri Yukteswar faz uma leitura impessoal de João 1:1-5 e 9-18, o que não deixa de ser acertado, já que neste evangelho seu autor diviniza Jesus ao extremo, o que torna sua leitura literal enganosa mas, como dissemos, pode trazer insights espirituais se o lermos a partir de outra perspectiva.
No cap. 2, ele usa outro texto-base lendário, Lc 1:5-25, e fala sobre a imaculada conceição, que ele considera um fato (p. 53u). Permanece nas lendas que antecedem o relato principal (o do ev. de Marcos) no cap. 3 (Lc 2:1-14 e Mt 2:1-12) e no cap. 4 (Mt 2:13-23 e Lc 2:40-51), aonde recorre e comenta também, com ingênua credulidade, aos tardios e fictícios evangelhos da infância (sobretudo ao Ev. da infância, de (Pseudo) Tomé), para falar sobre esse período em que quase nada se consta sobre Jesus nos evangelhos canônicos nem em escrito algum historicamente plausível.
Na esteira dessa lacuna biográfica nos evangelhos, no cap. 5, “Os anos desconhecidos da vida de Jesus – estadia na Índia”, Yogananda discorre sobre a descoberta de Notovitch, A vida de São Issa, um texto moderno que, falsamente, faz relatos pretensamente contemporâneos sobre a vida de Jesus dos 14 anos à vida adulta, onde teria passado por diversas cidades indianas e de outros países. Como esse texto é pobre e não traz nada original de Jesus, seu uso por Yogananda foi mais no sentido de apoiar, com algum orgulho patriótico, sua ideia de que a Índia era a verdadeira origem da sabedoria e realização do nazareno. (para sermos justos, Osho também caiu nesse conto de Notovitch)
Após mais de 100 páginas e às portas do cap. 6, tudo o que temos são discursos reverentes a respeito de acontecimentos fictícios, nos quais Yogananda ainda não tocou nenhum fato real sobre a vida de Jesus, o que inicia nosso desapontamento.
Não sou o autor
Aqui, uma digressão sobre a amplitude da nossa capacidade de projeção. Nas págs. XXIII à XXXI da introdução, no primeiro volume, Yogananda, desejoso de transmitir fielmente o pensamento de Jesus, relata que identificava-se com ele para perceber o que ele pensava quando fazia os discursos que posteriormente foram registrados nos evangelhos.
Relata que Jesus o visitou em uma aparição epifânica em que revelou: “Tu bebes do mesmo cálice que eu” e deu sua aprovação e benção, além de, mais do que proporcionar uma correta interpretação de suas palavras, estabelecer uma conexão que poderíamos chamar de mediúnica: “Estou feliz por este livro ter vindo por meu intermédio, mas não sou o autor. O autor é Cristo. Sou apenas o veículo através do qual ele é explicado.” (p. XXX.2f)
Ele continua: “Escuto Cristo na terra de minha inspiração; contemplo Cristo comunicando-me toda a eterna sabedoria que ele pretendia transmitir em suas palavras repletas de significado” (p. XXX.3). O curioso é que, com todo esse contato, Jesus não o tenha alertado de todo conteúdo lendário comentado nesses primeiros capítulos, nem o tenha prevenido da vocação criativa e inventiva dos evangelistas.
Tal aparição, de duas uma, ou foi de algo que os espíritas chamariam de “espírito mistificador” ou, palpite nosso e talvez fosse também o de Jung, um complexo psicológico criado no próprio inconsciente de Yogananda, ambos incentivados ou projetados por seu desejo de conexão com o mestre. Em qualquer dos casos, trata-se de um exemplo de uma importante nuance da magia de maya.
É por isso que o mestre zen diz: se você encontrar o Buda, mate-o imediatamente!
Porém, em meio às projeções, podem haver visões e insights válidos e reais, próprios de Yogananda e sua linhagem, e acreditamos que seja isso que o leitor espera encontrar nas próximas páginas.
Reflexões e insights
O principal teor do livro é a interpretação dos evangelhos voltada para o reino interior do ser humano.
Conhecimentos de sistemas como o Yoga, o Tantra e o Vedanta, acumulados por mais de mil anos de experiências pessoais, como as do próprio Yogananda, são trazidos – embora algumas vezes um tanto distorcidos – associados a passagens da Bíblia, trazendo uma espécie de leitura esotérica dela.
Aqui, cabe abrir um pouco a mente. Embora os autores originais dessas escrituras não tivessem colocado propositadamente um significado interior nelas, de maneira inconsciente podem ter expressado alguns símbolos humanos universais, míticos e espirituais que posteriormente podem ser encontrados.
Um exemplo significativo pode ser encontrado no capítulo 12, onde o indiano discursa sobre Jo 2:12-25. O evangelho de João é o mais tardio e menos histórico dos evangelhos: seu autor, ao elevar Jesus à condição divina máxima, acaba por traçar um paralelo com a própria potencialidade humana. Então, ao mesmo tempo, trata-se do texto que possui mais potencial para ser lido em chave esotérica.
Falando especificamente da expulsão dos mercadores do templo, Yogananda usa a passagem de Jo 2:12-17 (ampliação vívida do original de Mc 11:15-17) para expor seu significado subjetivo ou interior: expulsar o tumulto do reino interior do ser humano (ex. p. 255u-256.1). [Yoga é a restrição/cessação (nirodha) das modificações (vrittis) da mente (chitta) – Yoga Sutras de Patanjali 1.2].
Mas temos ajudas também no campo exegético mais literal:
- “Pode porventura o cego guiar o cego?” em Lc 6:39 tem algo da Mundaka Upanishad 1.2.8 (“como cegos guiados por um cego”). (p. 205n2)
- “nascer da água” em Jo 3:5 – água aqui para o autor significa o protoplasma celular do mundo físico e o fluido amniótico do ventre da mãe. (p. 269u-270.1 e n9)
- Yogananda segue discorrendo sobre o processo de nascer do espírito e ser espírito de Jo 3:5-6, com destaque às p. 273.2B e 278.2.
- Sobre o “estar no céu” de Jo 3:13, o explica na terminologia ióguica (como em 285us).
- Em João, Jesus fala a partir da consciência ou “consciência crística” (p. 402.3, comentando Jo 5:30, aplicável também a Jo 10:30).
- Aqueles que tiveram experiências místicas ou paranormais, e mesmo de cura, como Yogananda, possuem mais parâmetros nesse quesito do que o comentador cético. É por isso que em comentários como o da figura oposta à p. 448, citando Lc 4:40, sobre a cura pela imposição de mãos, ele fala da “energia cósmica de Deus” que pode ser irradiada das mãos ou mesmo do corpo do iluminado. O método de cura pela imposição de mãos especificamente nesta passagem é dedução de Lucas (está ausente na fonte Mc 1:31-34) mas é corroborado como método naturalmente esperado por outras passagens de Marcos (especialmente 8:23-25, também 5:41-42 “tomando a mão”, ou como forma de abençoar em 10:16). Sobre o poder emanado do ser, ver passagem da mulher que acreditava que se curaria se tão somente tocasse as vestes de Jesus, em Mc 5:25-34.
- “Até mesmo os grandes mestres buscam momento de solidão para se renovar no Espírito…” (p. 472.1, comentando Mc 1:35-37).
Comentando o Sermão da montanha
Nos cinco últimos capítulos (26 ao 30) do primeiro volume, Yogananda comenta os versículos do Sermão da montanha, um aglomerado do evangelista de Mateus (cap. 5 ao 7), composto de ditos de Jesus, ditos sapienciais de outras fontes e matéria doutrinária (paulina, etc.). Diversos desses ditos estão, de maneira mais esparsa, no ev. de Lucas.

Não obstante uma boa parte do material contido nesse sermão não ser originário de Jesus, mas o ter sido atribuído pela tradição ou pelos evangelistas, ele contém diversas passagens notáveis que trazem verdades existenciais e espirituais importantes, que o iogue não poderia deixar de comentar. Algumas delas:
- Mt 5:7: misericórdia é autoconhecimento, olhar a todos como um pai olha. (p. 485.1-2)
- Mt 5:42-45: dar e amar são a manifestação da expansão da consciência. (p. 540.2)
- Mt 25:40: ver Deus no outro. (p. 540.3)
- Mt 6:1-4 [também comentado ao falarmos de Karma Yoga]: a expectativa de recompensa do ego pode obliterar o estado transcendental que poderia ser atingido. (p. 540.4-541.1)
- Mt 6:22-23: “A luz reveladora de Deus, no corpo, é o olho único no centro da fronte, percebido em meditação profunda…” (p. 563) [a palavra (haplus, de haplôos) que as bíblias traduzem em Mateus por “bons” (que é um sentido derivado), é a mesma utilizada em Lc 11:34-36 e traduzida mais literalmente como “simples”.]
- Mt 7:15-20, sobre falsos profetas, Yogananda aproveita para lançar um alerta – sempre válido – contra os aproveitadores e exploradores da religião (p. 606us), que um dia são descobertos ou percebidos assim por seus seguidores de outrora (p. 608.2)
Pontos positivos e negativos do livro
Para não corrermos o risco de nos alongarmos demasiadamente nesta resenha, podemos destacar que um ponto de destaque do livro seja a descrição de potencialidades energéticas e astrais do corpo, como as do terceiro olho e a capacidade perceptiva (aqui sem fazer juízo do grau ilusório que o próprio Yogananda parece ter tido em suas visões de Jesus).
Notas da editora
Outro ponto positivo do livro são as notas da editora, que trazem esclarecimentos e atualizações sobre teorias e descobertas científicas posteriores à redação original que complementam ou corroboram o que o autor havia escrito, como experimentos que demonstram o poder curativo da fé, descobertas da física moderna que ajudam a compreendermos os milagres, a descoberta de uma versão íntegra do Evangelho de Tomé e sua visão heterodoxa de Jesus (p. 101n14), bem como especulações sobre os essênios como ligação entre o Budismo e Cristianismo (n5 nas p.111s).
O “Cristo” interior
Na interpretação de Yogananda, os evangelhos e outros textos bíblicos relacionados podem ser lidos de modo a descrever o universo subjetivo, que pode culminar no descobrimento ou a segunda vinda do “Cristo interior”. Isso pode ser entendido a partir da perspectiva da capacidade dos primeiros cristãos de criarem o Jesus Cristo da fé, um homem perfeito, ou melhor, um homem-Deus ou Deus homem. Nela, mesmo que a maior parte dos versículos comentados não tenham muito do Jesus real e alguns até mesmo sejam puro mito ou ficção, eles são produto da criação de seres humanos reais que criaram esse Deus, bastante melhorado em relação ao Javé ou Elohim (Eloah) do Antigo Testamento, a partir de seu universo simbólico interior e de suas próprias experiências e desafios no mundo real ou externo.
De forma análoga a que podemos imaginar que versos, provérbios e salmos tenham sido atraídos à figuras de Davi e Salomão, na composição primeva da tradição cristã a figura de Jesus exerceu uma atração gravitacional para todo o conhecimento e filosofia que os seguidores tinham acesso (sejam de origem hebreia, grega, egípcia, árabe ou mesmo orientais como a chinesa e indiana, vindos pela rota da seda),
O processo de criação desse homem-Deus inicia-se no ev. de Marcos, se desenvolve em Mateus e Lucas e alcança seu ápice em João. Não por acaso é que é desses últimos três evangelhos que Yogananda faz mais uso ao longo dos três volumes desta obra. E, para seu propósito, apresentar o homem-Deus potencial do espírito humano, isso não parece errado.
Mas não se trata do Jesus histórico. Diferentemente do que propomos, a partir do Jesus real, o apresentado neste livro é outro “caminho de Cristo”, e o pressuposto principal para se entendê-lo e trilhá-lo é a incorporação ou entronização do Cristo das escrituras. Ela é acessível pela leitura despersonalizada de Jesus, ou seja, quando lemos no evangelho “eu e o Pai somos um” ou “eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim”, temos de ser capazes de colocar essas frases na nossa própria boca – nesse aspecto, ambas são a mais absoluta verdade e revelam a realidade não-dual, embora elas tenham camadas de preconcepções embutidas, como “o Pai” (que existencialmente seria mais correto “o absoluto“, “a Existência” etc., mas é válido como substitutivo do conceito metamorfoseável “Deus“) e o complemento da segunda “ninguém vem…” é dispensável, pois é como dizer “eu não posso ir ao pai sem mim”.
Deus e o sexo
Porém, para esse propósito principal a que se destina, as preconcepções ou prejuízos de Yogananda impedem que este livro se torne mais fluido e mesmo relevante. As duas principais são seu dualismo ser humano/Deus (comentado na seção Consciência) e a sexual.
Por conta desta última, iremos nos deparar ao longo do livro com diversos parágrafos com tom moralista, que ele traz de sua prática ascética e celibatária de Yoga, a partir da qual ele nega o desejo, o sexo, dá elevada estima ao autocontrole (até o ponto de virar repressão), à renúncia ao prazer, por vezes mata ou reprime o sexo de vez, aproveitando inclusive ocasiões não relacionadas explicitamente com o sexo para condená-lo, impondo um dogmatismo pesado e desnecessário, ao negar as próprias vontades humanas.
Como Tomás de Aquino, Yogananda mistura metafísica sofisticada com teologia retrógrada, moralista e repressora. Se você puder desfrutar a primeira e relevar a segunda, tirará melhor proveito da obra. Nele, o sexo está morto ou amordaço, como também gostaria a Igreja.
Como o teólogo cristão, Yogananda confunde a magia do mundo com a maldade que cria tentações – sexo com o mal -, e o trágico de tudo isso é que a arma que tanto um como o outro usa para combater o próprio corpo é a mente, criando uma cisão interna em si mesmo e nos seus seguidores. Essa capa de moralidade mental indica que o iogue indiano não saiu da mente, não alcançou uma transcendência que o permitisse enxergar, sem prejuízos, a unidade corpo-mente-existência, não o permitiu unir Deus e Satã – ele não é holístico, parece não considerar o reino material divino. Ele perdeu algo pelo caminho.
No fundo, sua limitação relacionada à devoção está ligada à sexual pelo sentido de separação de si com o divino ou talvez até por uma infantilização psicológica ligada ao celibato estrito (que não pode desfazer-se de um Deus-Pai).
Mas fato é que ambas são obstáculos que atrapalham Yogananda na condução de seus leitores à ressurreição do Cristo interior, pois a moral e o sexo são um, o corpo e a mente são um, Deus e o diabo são um, o espírito e a natureza são um.
Foi isso que concluímos do primeiro volume desta obra, cujo teor não coloca os dois outros como prioridades em nossa lista de leitura, uma vez que a abordagem do autor não os faz atrativos para nós (para não falar de sua extensão, que de outra forma seria uma vantagem).
No entanto, para quem deseja se aprofundar na leitura dos evangelhos sob essa perspectiva interior de Yogananda, é de se esperar que os próximos volumes tragam, assim como este, algumas reflexões e insights interessantes.
Adquira o livro e apoie este site
- A segunda vinda de Cristo (Paramahansa Yogananda) – Vol. I – Amazon BR
- Ver também no site da editora (Livraria Omnisciência)
- A segunda vinda de Cristo (Paramahansa Yogananda) – Vol. II – Amazon BR
- Ver também no site da editora (Livraria Omnisciência)
- A segunda vinda de Cristo (Paramahansa Yogananda) – Vol. III – Amazon BR
- Ver também no site da editora (Livraria Omnisciência)
A Livraria Omnisciência oferece também, com desconto, o kit dos 3 volumes de A segunda vinda de Cristo.
Qualquer produto adquirido quando se entra na Amazon a partir de nossos links incentiva este projeto.
Outros livros de Paramahansa Yogananda
- Biografias e memórias » Autobiografia de um Iogue (Paramahansa Yogananda)
- Sabedoria » O Romance com Deus: Como perceber Deus na vida diária (Paramahansa Yogananda)
Outros títulos em Livros
Pesquise aqui referências e citações de A segunda vinda de Cristo no site.
Conheça também

Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares Transdisciplinares
André Chevitarese, Juliana Cavalcanti, Sérgio Dusilek e Tayná de Maria (orgs.)
Este livro apresenta artigos multidisciplinares e complementares - sob as perspectivas da História, da Teologia e do Direito - a respeito do fundamentalismo religioso cristão, a partir de suas origens históricas até os desdobramentos e implicações políticos, sociais e científicos do movimento, no Brasil e no mundo.
O tema não poderia ser mais atual e necessário.
Adquira o livro na Amazon BR e apoie este site.
chela » Outros livros » O Caminho de Jesus (textos não utilizados) » Livros » A segunda vinda de Cristo: a ressurreição do Cristo interior (Paramahansa Yogananda)