Nan-in, um mestre japonês durante a era Meiji (1868-1912), recebeu um professor universitário que veio inquirir sobre o zen.
Nan-in serviu chá. Ele encheu a xícara do seu visitante, e então continuou vertendo.
O professor assistiu o extravasamento, até não poder mais se conter. “Está cheia. Não vai entrar mais!”
“Como essa xícara,” Nan-in disse, “você está cheio das suas próprias opiniões e especulações. Como posso lhe mostrar o zen, a menos que você primeiro esvazie a sua xícara?”
Uma Xícara de Chá, história Zen 1 de A Carne e os Ossos do Zen (tradução Albecy Cavalari e Rafael Blanco, p. 17)
O zen não é um caminho teórico, caracterizado por escrituras – o que pode falar mais a respeito dele são seus contos ou anedotas que podem provocar percepções, insights, a consciência súbita ou lampejo dela (a tudo isso chamamos satori). O ponto fundamental do zen é a própria autopercepção ou iluminação em si, não a dogmatização através de práticas preparatórias ou morais.
A palavra “zen” (japonês ぜん) é a pronúncia japonesa do chinês 禪 – fala-se djan, dzyenH, shan, ch’an -, que por sua vez é a pronúncia chinesa transmutada do termo sânscrito dhyana, meditação.
Uma vez capturado o peixe, a rede é esquecida
A rede serve para capturar peixes; capturado o peixe, esqueça a rede. A armadilha é usada para caçar coelhos; caçado o coelho, esqueça a armadilha. A palavra serve para expressar a ideia; compreendida a ideia, esqueça a palavra. Como poderia eu encontrar um homem que tenha esquecido as palavras, para poder conversar com ele?
Zhuang Zi (Chuang Tzu) XXVI.XIII – traudizo a partir da versão em espanhol de Iñaki Preciado Idoeta (p. 190u)
Zen é um caminho de liberação, de liberação da mente, de suas preconcepções.
Ao parar o comentário mental, sem uma mente pensando sobre ou forjando símbolos dos objetos ou do mundo, percebemos eles em suas formas reais. Mais do que isso, percebemos nossa real natureza, a testemunhalidade, nosso ser.
O silêncio real é a não-mente, se dá na ausência da mente.
O Zen é o fruto da combinação do caminho de liberação Tao chinês com o Budismo Mahayana indiano. Podemos chamá-lo de prática do Tao.
Zen, “meditação”, é o estado de ser meditativo, contemplativo, absorto, perceptivo, presente, tanto na ação como na meditação propriamente dita.
O poder do agora
[O zen] não confunde a espiritualidade com o pensar em Deus enquanto se descasca batatas. A espiritualidade zen consiste justamente en descascar batatas. Alan Watts, em O caminho do Zen (p. 160.2f do pdf em português)
Zen é presença, a capacidade de estar presente neste exato momento, aqui e agora. Ser zen é estar consciente.
Neste momento não há nada que vem a ser. Neste momento não há nada que cessa de ser. Assim não existe nascimento e morte para colocar um término. Por conseguinte, a absoluta tranquilidade (do nirvana) é este momento presente. Apesar de ser neste momento, não há limite para este momento, e aqui está o deleite eterno.
T’an-ching, reproduzido por Alan Watts, em O caminho do Zen (p. 210.2 do pdf em português)
Você já é um buda. No aqui e agora não pode existir o nascer, o morrer e o se libertar.
Perceba que na vida do zen, a vida do agora, não há como existir um objetivo, mesmo um objetivo de despertar, pois o objetivo necessariamente está no futuro.
Não se pratica zen para converter-se em um buda. Pratica-se o zen pelo zen mesmo, simplesmente pratica-se. Então consequências podem surgir. Pode ser que não aconteça nada, ou que você venha a conhecer-se a si mesmo, pode ser que você tenha satoris, ou que experimente a não-dualidade ou o vazio, pode ser que você perceba que já é um buda. Mas tudo isso são conceitos.
Não coloque o foco na consequência, pois o resultado seria você se apegar a esses conceitos mentais, ao que eles devem significar e perder o zen, o experimental, o existencial.
Essa é a singularidade do Zen: ele não lhe dá ideais; ele o ajuda a ser natural. Ele não lhe dá imagens para seguir e imitar. Os mestres zen dizem: Se você encontrar Buda no caminho, mate-o imediatamente! E se você pronunciar o nome de Buda, deve lavar a boca. Eles conhecem a mensagem exata de Buda, eles entenderam; por isso, podem ser tão duros. Eles parecem duros, mas não são. Eles dizem que você só pode ser você mesmo, portanto, nenhuma imitação deve ser permitida. Você deve destruir todas as sementes da imitação; caso contrário, você se tornará uma falsidade, será um ser falso.
Osho em A busca: Os dez touros do Zen, p. 198.3
“Quando você encontra uma brecha no dharma, para penetrar a verdade, entre, não fique esperando alguma coisa ou que alguém te diga alguma coisa.”
Monja Coen, em conversa com com Otávio Leal
O ser desperto
O despertar é algo simples. O iluminado zen é alguém comum, que trabalha quando tem de trabalhar, come quando tem fome, dorme quando tem sono, pode fazer sexo quando tem desejo ou se aborrecer quando a situação o compele a isso. A diferença é que ele faz tudo isso com consciência, com um senso de presença; ele está no aqui e agora. Caso contrário, às vezes pensamos em comer enquanto trabalhamos, pensamos no trabalho enquanto comemos, estamos com a cabeça no escritório quando na cama, etc. – são os momentos de ausência.
Um monge perguntou a Tozan quando ele pesava um pouco de linho: “O que é Buda?”
Tozan disse: “Este linho pesa três libras.”
História 18 de O portal sem portão, em A Carne e os Ossos do Zen (tradução Albecy Cavalari e Rafael Blanco, p. 157)
Depois de Bankei ter falecido, um homem cego, que vivia perto do templo do mestre contou a um amigo: “Como sou cego não consigo observar a face de uma pessoa, então preciso julgar o seu caráter pelo som da sua voz. Ordinariamente quando escuto alguém congratular outra pessoa sobre sua felicidade ou sucesso, escuto também um tom secreto de inveja. Quando a condolência é expressa pelo infortúnio de outra pessoa, escuto prazer e satisfação, como se o condolente estivesse realmente contente por ter sobrado algo para ganhar em seu próprio mundo.
“Em toda minha experiência, contudo, a voz de Bankei foi sempre sincera. Sempre que ele expressava felicidade eu não escutava nada exceto felicidade, e sempre que ele expressava tristeza, tristeza era tudo que eu escutava.”
A Voz da Felicidade, história zen 27 de A Carne e os Ossos do Zen (tradução Albecy Cavalari e Rafael Blanco, p. 52)
Os dez touros do Zen

Um desses pequenos textos que podem trazer grandes despertares e ao mesmo tempo expressam o zen que pode ser dito é Os dez touros.
Trata-se de uma série de poemas curtos e desenhos que os acompanham, usados na tradição Zen para descrever os estágios do progresso de um praticante em direção ao despertar.
A série inicia-se na busca do touro, passa por seu encontro e captura, domação e enfim sua transcendência.

Então ela atinge um ponto culminante no 8º conjunto: não só o touro é transcendido, mas também o Eu, quem o buscava. O que sobra é o vazio, o nada. Qualquer buda assinaria esse ponto de completude, após isso o que mais pode acontecer? A série na verdade termina aqui.
Mas então Kakuan, um mestre zen do séc. XII, adicionou mais dois desenhos, além de pequenos poemas e comentários para todos os outros – que são os mais conhecidos hoje. Neles, há um retorno para si e para o mundo. A roda faz o seu giro, mas agora com uma nova consciência. E aqui está a diferença entre o Zen e o Budismo de uma maneira geral.
Em seu comentário em prosa à última imagem e verso:
Dentro do meu portão, milhares de sábios não me conhecem. A beleza do meu jardim é invisível. Por que alguém deveria procurar pelas pegadas dos patriarcas? Vou para o mercado com minha garrafa de vinho e retorno para casa com meu cajado. Visito a loja de vinhos e o mercado e todos a quem olho iluminam-se.
Seção “10 touros” de A Carne e os Ossos do Zen (tradução Albecy Cavalari e Rafael Blanco, p. 216)
O ser desperto zen não é um retirante, apartado da sociedade. Ele é uma pessoa comum, é o seu vizinho. Está no mercado, no mundo, toma vinho (diverte-se). E está sempre consciente, realizado, ele sabe quem é.
Os Dez Touros do Zen são algo único na história da consciência humana.
Osho, em A busca: Os dez touros do Zen
Meditação:
“Ó ser de olhos de lótus, doce ao toque, quando cantar, ver, saborear, esteja consciente de que você existe, e descubra o sempre vivo.”
Vijnana Bhairava Tantra meditação 48 (transcrito por Paul Reps e traduzido por Albecy Cavalari e Rafael Blanco em A Carne e os Ossos do Zen, p. 229)
Zazen – a prática meditativa do Zen
➡️ Za = sentar-se
➡️ Zazen = sentar-se em meditação (contemplação)
Zazen é sentar-se em quieta consciência, sem comentários mentais, do que se passa aqui e agora.
Essa quietude leva a um estado de identificação, de “não-diferença” entre a mente e seus conteúdos recebidos do exterior (sons, formas, cores, aromas etc.), que se reflete na mesmidade ou não-dualidade entre a pessoa e o mundo.
“Tudo o que se manifesta é um aspecto de você, porque você é o Todo manifesto”
Monja Coen
A não-intencionalidade é um ponto importante aqui. Embora essa realização esteja no horizonte, no momento da prática qualquer objetivo deve ser posto de lado, sentamos atentos sem nenhum propósito; o foco deve ser o aquietamento mental, pois o que a mente tentará fazer é exatamente comentar, o que tende a nos tirar do estado zen.
Literalmente, Zazen significa “sentar zen”. Sentar em silêncio, de frente para a parede. O foco é a respiração e o livre fluir dos pensamentos, sem fixar em nenhum deles, o que proporciona ao praticante uma diminuição da agitação mental. Livre de qualquer expectativa de ganho, nos detemos em nos observar – postura, sensações, impressões, corpo e mente – o que ocorre dentro e fora de nós. Tudo faz parte, sejam “barulhos” internos ou externos. Observar é a palavra chave no Zazen. Pouco a pouco vamos nos tornando íntimos com o observador que amplia sua percepção para além de si mesmo, nos damos conta que nossa capacidade de consciência é fabulosa e vai muito além de nós mesmos. Nesse momento voltamos à respiração e percebemos que ela é o fio que nos conduz na vida e no Zazen. Apenas sentar, apenas respirar.
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Livros
Acreditamos que os livros abaixo fornecem suficientes informações sobre as bases teóricas e o espírito do Zen. Dentro do estado de consciência que leva ao zen (e também nasce dele), podemos indicar também Que sementes você está regando?, de Monja Coen.
- A busca: Os dez touros do Zen (Osho) – pdf
- A Carne e os Ossos do Zen: Uma coleção de escritos Zen e Pré-Zen (comp. Paul Reps e Nyogen Senzaki) – pdf
- O caminho Zen (Alan Watts) – pdf
- Sublime Vazio (Osho)
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