Karma Yoga acontece quando a dissolução (laya) do sentido de eu individual está em curso.
Então a pessoa continua realizando suas atividades, trabalhos, mas o ego deixa de ser o agente dessas ações e, portanto, não há a expectativa por seus resultados (que estaria na mente), como ganhos pessoais.
Karma quer dizer ação, trabalho, atividade, podendo significar também os efeitos das ações passadas.
Karma Yoga acontece com o deslocamento de seu centro de autoconsciência da mente para a consciência. Quando saímos da mente, as fronteiras entre o que consideramos sermos o eu e o restante da existência desaparecem; somos apenas consciência pura em seu estado cósmico, o sentido de ser torna-se universal. No universo manifestado, continuamos utilizando a mente, mas não mais nos identificamos como ela.
Em termos práticos, é difícil diferenciar nosso sentido de eu de nossa percepção de alma; por isso, se simplesmente intencionarmos transferir a “atenção” para “a alma”, o mais provável é que nosso sentido de eu se restabeleça lá – pois é um produto desta -, como alma individual.
Assim, em Karma Yoga realizamos ações na percepção de que já não existe um eu (mesmo uma alma) as fazendo, mas quem faz é a existência, através de você – é a não-dualidade prática.
De fato, “eu” já não sou, a Existência é. É a liberdade de “si mesmo”; o ego se retira. Então esse Todo, que podemos chamar Deus, está acontecendo, se transformando neste mundo manifestado ou Prakriti.
“A mera evitação de intenções deliberadas pode nos conduzir à iluminação.”
Shen Hui, citado em Tudo o mais é escravidão (Wei Wu Wei) p. 31p
E a consciência ou Purusha continua como testemunha, sakshin. O fato dela não atuar de fato mas, ao mesmo tempo, interatuar com Prakriti a partir do intelecto, mente, etc. é um dos mistérios da Existência e o segredo ou significado de wei wu wei ou ação sem ação do Tao (caminho este que guarda muitas relações com o Karma Yoga em sua plenitude).
A técnica meditativa da autoinquirição Atma-Vichara ajuda a nos estabelecermos nessa nova percepção.
A verdadeira agente (e também a verdadeira desfrutadora) é a alma, a consciência, então olhando do ponto de vista individual, da mente, a pessoa pode se perceber mais como um canal por onde a ação ocorre – a mente não para mais no meio ou após a ação e pensa “Olha que máximo que eu sou” ou “Sou superior(a) aos demais” porque a consciência é Una; o ego é muito isso: um parar o fluir da existência para estabelecer seu sentido de separatividade “Peraí: eu, você, ele, nós, vocês, eles”. No fluxo, não temos ego.
A diferença entre a ação egoica ou pessoal e a simples ação pode ser difícil de explicar, mas é significativa. Mais abaixo vamos tratar de formas de percebê-la.
Bhagavad Gita
Karma Yoga é o nome do terceiro capítulo do Bhagavad Gita. Ele se inicia de uma maneira muito, muito bela. Arjuna pergunta para Krishna: se você considera o entendimento superior à ação, por que me instigas a agir? Não me confunda, me dê um caminho único.
Krishna então fala de dois caminhos básicos, o do conhecimento ou Jnana Yoga para aqueles de natureza inquisitiva, e o da ação ou Karma Yoga para os de natureza ativa ou iogues, e a seguir (vers. 30) explica o segredo da ação: desprovido de egotismo e expectativas, entregue a Deus ou Existência toda as ações, com a mente repousando na opulenta alma.
Ação como exemplo
Mas, para a pessoa que se deleita com o si-mesmo [atman], que está satisfeita com o si-mesmo, que está contente somente com o si-mesmo, nada há a ser feito.
Bhagavad Gita 3.17, baseado na tradução do site MokshaDharma
Praticando ações sem ego ou interesse pessoal, a pessoa, desapegada, desprende-se de seu karma e pode emancipar-se, não “precisando” mais executar ações. Ainda assim, seus atos podem agora servir como guia para a humanidade.
“Foi só pelo caminho da ação correta que Janaka e outros semelhantes a ele alcançaram a perfeição. Deves também praticar ações apenas para o fim de guiar corretamente os mortais.
O que quer que faça um ser superior, as pessoas inferiores imitam. As ações dele estabelecem um padrão para a gente do mundo.”
Bhagavad Gita 3.20-21 – Tradução de Paramahansa Yogananda
Por fim, já falando sobre o conhecimento do ser, Krishna aponta o ápice dessa transcendência ao eu, a identificação com o Supremo Ser, a experiencia existencial de seu estado, de nosso estado, como consciência cósmica e além dela, como a inefável jyoti ou luz refulgente espiritual, a ~“ígneo-energia” que materializou-se como este mundo, como alma.
Livres do apego, do medo e da ira, absorvidos em Mim, refugiando-se em Mim, purificados pelo fogo do conhecimento; muitos alcançaram meu estado de existência.
Bhagavad Gita 4.10, baseado na tradução do site MokshaDharma
Realizar ações sem a pre-ocupação com seu fruto
Às vezes, Karma Yoga é naturalmente praticado através da renúncia aos resultados materiais da ação – é uma aplicação eficaz, mas não absoluta e nem sempre executável neste mundo atual. O mais importante é o espírito nos qual a ação está sendo realizada.
Não é por abster-se da ação que um homem alcança a transcendência-da-ação; nem por mera renúncia ele atinge a perfeição
Bhagavad Gita 3.4
Um dos autores que melhor explica este caminho da ação é Eckhart Tolle. Em Um novo mundo, ele nos explica como, ao considerar a ação simplesmente como um meio (ou obstáculo, empecilho) para alcançar um objetivo futuro, o ego simplesmente perde o agora.
Em termos práticos, quando trabalhamos simplesmente em vista a ganhar um salário no final do mês, estamos perdendo a vida que está se apresentando naquele momento na forma de trabalho profissional.
E isso tende a impactar na qualidade do trabalho oferecido. Existe por exemplo uma diferença substancial entre a comida preparada com má-vontade e aquela preparada com amor, com presença. E quem de nós já não se sentiu mal ao ser atendido por alguém que simplesmente detesta seu trabalho?
“Depois de praticar a ascese entendi que a verdade mais alta é esta: o Absoluto está presente em todos os seres. Todos são suas formas múltiplas. Não há outro Deus para se procurar. Somente adora Deus quem serve todos os seres!”
Swami Vivekananda – Revista Planeta Especial Ramakrishna de fev/1975
Existencialmente, você é um Universo – e o outro também! Não existe outro Deus além do que o que se manifesta através de você e do outro (não só humanos, como também animais, plantas, etc.). Cada ser que é impactado por nossas ações é uma manifestação do divino que, em última instância, é você mesmo(a).
Aí jaz a chave do servir, ao enxergar a manifestação do Divino em cada ser, suas ações passam a colaborar para o bem-estar do outro e logo de toda a Existência. O foco da ação não é mais obter para si algum pagamento, vantagem ou recompensa – nem mesmo a gratidão alheia -, mas a ação pela ação ou pelo amor.
É importante observar que isso não te torna um serviçal: não existe um eu que está servindo ou sendo servido, ou que esteja acima ou abaixo.
Note que estamos falando de um yoga, um caminho interior pessoal, a partir da experiência existencial e escolhas de cada indivíduo. O uso do conceito citado no parágrafo acima aplicado para outras pessoas, a fim de explorá-las, já não é yoga, mas violência.
Embora a caridade, a filantropia e toda forma de altruísmo possam se tornar algumas das manifestações naturais de uma consciência desinteressada, é importante lembrar que a essência do Karma Yoga não é exatamente essa natureza da ação, mas a ação sem ego.
Karma Yoga no mundo
As engrenagens do mundo são um mecanismo terrível e estamos todos presos nesta máquina poderosa e complexa do Universo. Só há duas maneiras de escapar. A primeira é não prestar nenhuma atenção à máquina, manter-se distante dela… É fácil de dizer, mas quase impossível de realizar. Não conheço um homem em 20 milhões que seja capaz… É evidente que se nos desprendêssemos deste pequeno universo dos sentidos estaríamos livres. Quando alguém vai além das limitações da lei, além da causalidade, os ferros do escravo caem no chão… Mas quem poderá praticar esta renúncia completa? Muito poucos!
Existe um outro meio, que não é negativo, mas positivo… Consiste em mergulhar no mundo e descobrir nele o segredo do trabalho. Não tentar fugir das engrenagens da máquina, mas continuar no mundo e aprender a manejar a máquina, a trabalhar. Este é o caminho do Karma Yoga; ele parte do interior e conduz ao exterior…
Swami Vivekananda – Revista Planeta Especial Ramakrishna de fev/1975
Portanto, o Karma Yoga pode ser praticado por qualquer pessoa. Um(a) chefe de família, um dono(a) de casa, um pai, mãe, avô, avó, tio, tia, filho(a), comerciante, prestador de serviços, profissionais liberais, etc., pois a ação é inerente a este mundo, e a descoberta do segrego da ação, ou do segrego pela ação, é para todos.
Um bom exemplo de aplicação do Karma Yoga na vida prática é simplesmente ser correto e justo na vida diária, como na relação empregado/empregador, no preço praticado por seus produtos e serviços, assim como no preço pago pelo trabalho de outrem. Porque é o ego que almeja um lucro ou barganha maior do que o necessário ou razoável, muitas vezes em prejuízo de alguém menos favorecido economicamente. A simples honestidade (que é filha da veracidade) já nos adianta no caminho espiritual.
O que importa é a sua experiência interior. Por exemplo, por motivos de mercado e sobrevivência, a maioria de nós é obrigada, de diferentes formas, a divulgar nossa qualidade, trabalho e feitos para que as pessoas vejam o valor de nosso trabalho e possamos viver dele. A questão aí é o espírito, a intenção subjetiva, como você executa suas tarefas. Dependendo da mente da pessoa, a simples teoria pode fazer somente com que se engane ou crie um pseudo Karma Yoga. Por outro lado, pode acontecer também que pessoas de sucesso, aparentemente de ego forte, na prática sejam muito desapegadas. Não dá pra julgar.
Em Karma Yoga, podemos até fazer uso dos apegos mundanos para romper com eles próprios, em uma espécie de renúncia gradual. Nesse caminho, através da ação e da experiência, do desfrute e do conhecimento da natureza, pode surgir seu desapego pela mente, que encaminha o ser para a emancipação.
Liberação do ego
Assim, ao contrário do sannyasin monge ou monja tradicional que se retira e renuncia às práticas mundanas, o karma iogue está no mundo (às vezes mais, às vezes menos) e faz dele o seu professor e sua academia espiritual para, a partir de ações executadas nos trabalhos cotidianos, alcançar sua libertação, a mesma que o sannyasin verdadeiro realiza.
Sendo bem mais difícil viver no mundo do que se retirar, o caminho do karma iogue não é de maneira alguma inferior ao do iogue retirante. Não existem dharmas ou caminhos de vida inferiores. De fato, esses trabalhadores são de fato o esteio de toda a sociedade. Quando sua busca por riqueza é realizada com honestidade, equilíbrio e compaixão, suas ações proporcionam o bem de muitas pessoas, de forma que seu trabalho se transforma em fundamento para a sociedade. Se o profissional incorpora essa forma sutil de transcendência e desapego a seu trabalho, o que seria apenas sucesso mundano pode se transformar em êxtase espiritual, ananda.
Conceitos
Vimos que uma chave da ação e do Karma Yoga é retirar o seu ego (sentido de separatividade) do que você está fazendo.
Você pode utilizar os órgãos de ação a seu dispor para executar o que julga correto, não esperando por recompensa alguma. Assim, à medida que você (personalidade) não espera recompensa por suas ações, não se prende aos frutos que elas produzem, sejam eles bons ou ruins. Portanto, caminha ou habilita-se passo a passo, dia a dia, para a autopercepção de sua Unidade e para escapar da roda de samsara.
🔨 Samskaras: impressões, influências gravadas na mente que geram tendências inatas.
🔨 Prakriti: Universo manifestado.
Textos e práticas
🔨 Boas ações nos elevam a Deus
🔨 Não há ação perfeita, mas boas ações podem nos levar à perfeição
🔨 O eu real e a ação, por Sadhu Arunachala
🔨 Karma-Yoga não é praticar caridade (vídeo de ShriYogaDevi): neste vídeo, o Prof. Roberto de Andrade Martins adverte sobre a difusão do Karma Yoga como simples caridade, muito em virtude do livro de Swami Vivekananda, que por vezes acaba enfatizando este aspecto. Além de elucidar essa questão, o vídeo agrega mais conteúdo sobre este caminho. Compensa tanto assisti-lo como ler o livro de Vivekananda, que é muito mais do que isso; o pensamento e obra de Vivekananda são espetaculares. O âmago do Karma Yoga é a ação livre de ego (logo sem interesses pessoais) e estabelecida no Supremo Ser, na Existência, em Krishna ou no que ele expressa. A caridade é uma das possíveis consequências naturais dela.
“Aquele que alcança a pureza de coração pela prática de oferendas dedicadas ao Senhor, percebendo que todas as coisas e seus efeitos estão mergulhados em Brahman, realiza o seu Ser verdadeiro, transcendendo o mundo fenomênico. Libertando-se da ação de maya, coletiva ou individualmente, todas as ações passadas (exceto o Prarabdha Karma) são destruídas, mesmo que ainda se esteja ocupando um corpo físico. Ao ser destruído o seu Prarabdha Karma, o homem alcança a liberação final.
Shvetashvatara Upanishad VI.4, traduzido por Carlos Alberto Tinôco em As Upanishads
Leitura Recomendada
Um novo mundo: O despertar de uma nova consciência (Eckhart Tolle)
Neste livro, uma das continuações da aplicação prática de O poder do agora, Eckhart Tolle discorre sobre o ego as implicações de nossa identificação cega com ele, apresentando diversos insights sobre o caminho da ação.
Karma Yoga: o caminho da ação – Swami Vivekananda
Neste livro, Swami Vivekananda expõe suas ideias profundas e inspiradoras sobre a aplicação dos ensinamentos do Vedanta na resolução de problemas e desafios da vida cotidiana. Mostra-nos como é possível levar um vida espiritualmente elevada sem abdicar de seus deveres e alegrias. Ensina aos leitores como transformar suas ações corriqueiras num meio para alcançar a felicidade suprema.
Karma Yoga é o nome do capítulo 3 do Bhagavad Gita, mas na verdade o livro inteiro trata de Karma Yoga, como sendo o caminho da ação correta, da ação necessária a seu ambiente e circunstâncias atuais, da ação que está em seu dharma.
Eis um texto que tem o poder de iniciar, desenvolver ou concretizar nossa maior percepção do Espírito, a “entrada”, o batismo (na linguagem cristã) no Espírito.
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chela » Karma Yoga – O caminho da ação
2 comentários sobre “Karma Yoga – O caminho da ação”
Muitas vezes não raciocinamos se nossos atos vão trazer maus karmas, por isso é muito importante as divulgações da Lei de Ação e Reação.
Verdade Ryath! Grata pela agregação! 🙏💓